terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

57° - "Minhas tardes com Margueritte"


"Foi um encontro discreto do afeto com o amor. Ela não tinha outro teto, tinha nome de flor, vivia cercada de palavras, adjetivos, substantivos, verbos e advérbios. Alguns chegam sem jeito, ela chegou com doçura. Quebrou minha armadura e se alojou no meu peito. Nas histórias de amor não há apenas o amor, nunca dissemos 'eu te amo', no entanto nos amamos. Não é uma história comum, ela leu pra mim num banco de jardim; era frágil como uma pomba, sentada àquela sombra, cercada de palavras de nomes comuns como eu. Me deu muitos livros que me tornaram mais vivo. Não morra agora, espere um pouco, não é a hora doce senhora. Me dê um pouco mais ainda, um pouco mais de sua vida. Nas histórias de amor, não há apenas o amor. Nunca dissemos 'eu te amo', no entanto nos amamos."

Ahh, que filme gracinha que é "Minhas tardes com Margueritte", uma delícia de ver. É desses filmes que deixam a alma da gente mais leve, sabe? Com esperança nas pessoas, na delicadeza, na pureza, no amor... E que amor lindo entre os protagonistas - aparentemente tão diferentes, opostos - de um lado Germain (Gérard Depardieu) que é um bronco, grande, gordo, sem jeito com as palavras, mas com um ótimo coração; de outro Margueritte (Gisèle Casadesus) - com dois tês - uma senhorinha linda linda, magrinha, singela, extremamente sábia. Eles se encontram numa praça, numa determinada tarde e depois começam a se encontrar, conversar, e Margueritte começa a ler para Germain. Nesse processo, com pequenos flashbacks, vamos entendendo a vida de Germain, a razão por sua autoestima tão baixa, por suas inseguranças (apesar dele ter uma namorada linda e fofa!), Germain sempre foi rejeitado pela mãe (que é cruel com ele até hoje, com ele adulto) pelos professores, pelos colegas, enfim ele se sente mal, mas tem um coração tão bom que não desiste das pessoas. Margueritte acredita nele, e começa a ler na praça, o faz ter interesse em aprender. Então aí está o amor: de um lado ela lhe oferece afeto e compreensão, e de outro ele oferece cuidado e carinho, é uma lindeza, uma amizade encantadora! Margueritte é sozinha, não teve filhos e mora num abrigo para idosos que seu sobrinho paga (seu quarto é cheio de livros, para todos os lados, uma graça) e Germain não tem o carinho que merece da mãe, daí um encontro perfeito, da carência com a paciência, da ignorância com a sabedoria, com a vontade e mais vontade.
Assim como o filme que comentei ontem, "Balzac e a Costureirinha chinesa", "Minhas tardes" também tem foco nos livros e como eles são transformadores e libertadores. E é linda a cena na qual Germain chega para visitar Margueritte em seu quarto no abrigo e lhe devolve o dicionário que ela lhe deu, dizendo que não encontrou nenhuma palavra de seu interesse, e que não valia a pena investir nele, um idiota. Na verdade ele estava se sentindo mal, porque o dicionário mostrava a ele o quanto ele ignorava das palavras e das coisas, e a vida não é mesmo assim, minha gente? Em meu trabalho, como docente, encontro algumas pessoas que adoram se gabar de seus títulos e eu sempre penso: "como uma pessoa, que estuda tanto, pode ser tão arrogante? Se quanto mais a gente estuda mais a gente percebe que não sabe de nada..." E Germain diz a Margueritte que dar um dicionário a ele é a mesma coisa que dar um óculos a um míope, "de repente vemos tudo, todas as falhas e defeitos. Tentei aprender, mas dói muito, era melhor antes, era tudo mais simples". É claro que é apenas um desabafo, sincero, mas irreversível, porque quanto mais a gente aprende e se encanta, mas a gente quer (como diz Germain "nunca usei drogas, mas também nunca usei livros.").
E a atriz que faz Margueritte, Gisèle Casadesus, que lindeza sem fim! Ela estava com 94 anos quando fez o filme!! E sua personagem, Margueritte é uma senhora sábia, calma e cheia de ternura, é para se apaixonar!
Minhas tardes com Margueritte (La Tête en friche, França, 2010) ****

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