"Foi um encontro discreto do afeto com o
amor. Ela não tinha outro teto, tinha nome de flor, vivia cercada de palavras,
adjetivos, substantivos, verbos e advérbios. Alguns chegam sem jeito, ela
chegou com doçura. Quebrou minha armadura e se alojou no meu peito. Nas
histórias de amor não há apenas o amor, nunca dissemos 'eu te amo', no entanto
nos amamos. Não é uma história comum, ela leu pra mim num banco de jardim; era
frágil como uma pomba, sentada àquela sombra, cercada de palavras de nomes
comuns como eu. Me deu muitos livros que me tornaram mais vivo. Não morra
agora, espere um pouco, não é a hora doce senhora. Me dê um pouco mais ainda,
um pouco mais de sua vida. Nas histórias de amor, não há apenas o amor. Nunca
dissemos 'eu te amo', no entanto nos amamos."
Ahh,
que filme gracinha que é "Minhas tardes com Margueritte", uma delícia
de ver. É desses filmes que deixam a alma da gente mais leve, sabe? Com
esperança nas pessoas, na delicadeza, na pureza, no amor... E que amor lindo
entre os protagonistas - aparentemente tão diferentes, opostos - de um lado Germain
(Gérard Depardieu) que é um bronco, grande, gordo, sem jeito com as palavras,
mas com um ótimo coração; de outro Margueritte (Gisèle Casadesus) - com dois
tês - uma senhorinha linda linda, magrinha, singela, extremamente sábia. Eles
se encontram numa praça, numa determinada tarde e depois começam a se
encontrar, conversar, e Margueritte começa a ler para Germain. Nesse processo,
com pequenos flashbacks, vamos entendendo a vida de Germain, a razão por sua
autoestima tão baixa, por suas inseguranças (apesar dele ter uma namorada linda
e fofa!), Germain sempre foi rejeitado pela mãe (que é cruel com ele até hoje,
com ele adulto) pelos professores, pelos colegas, enfim ele se sente mal, mas
tem um coração tão bom que não desiste das pessoas. Margueritte acredita nele,
e começa a ler na praça, o faz ter interesse em aprender. Então aí está o amor:
de um lado ela lhe oferece afeto e compreensão, e de outro ele oferece cuidado
e carinho, é uma lindeza, uma amizade encantadora! Margueritte é sozinha, não
teve filhos e mora num abrigo para idosos que seu sobrinho paga (seu quarto é
cheio de livros, para todos os lados, uma graça) e Germain não tem o carinho
que merece da mãe, daí um encontro perfeito, da carência com a paciência, da
ignorância com a sabedoria, com a vontade e mais vontade.
Assim
como o filme que comentei ontem, "Balzac e a Costureirinha chinesa",
"Minhas tardes" também tem foco nos livros e como eles são
transformadores e libertadores. E é linda a cena na qual Germain chega para
visitar Margueritte em seu quarto no abrigo e lhe devolve o dicionário que ela
lhe deu, dizendo que não encontrou nenhuma palavra de seu interesse, e que não
valia a pena investir nele, um idiota. Na verdade ele estava se sentindo mal,
porque o dicionário mostrava a ele o quanto ele ignorava das palavras e das
coisas, e a vida não é mesmo assim, minha gente? Em meu trabalho, como docente,
encontro algumas pessoas que adoram se gabar de seus títulos e eu sempre penso:
"como uma pessoa, que estuda tanto, pode ser tão arrogante? Se quanto mais
a gente estuda mais a gente percebe que não sabe de nada..." E Germain diz
a Margueritte que dar um dicionário a ele é a mesma coisa que dar um óculos a
um míope, "de repente vemos tudo, todas as falhas e defeitos. Tentei
aprender, mas dói muito, era melhor antes, era tudo mais simples". É claro
que é apenas um desabafo, sincero, mas irreversível, porque quanto mais a gente
aprende e se encanta, mas a gente quer (como diz Germain "nunca usei
drogas, mas também nunca usei livros.").
E
a atriz que faz Margueritte, Gisèle Casadesus, que lindeza sem fim! Ela estava
com 94 anos quando fez o filme!! E sua personagem, Margueritte é uma senhora
sábia, calma e cheia de ternura, é para se apaixonar!
Minhas
tardes com Margueritte (La Tête en friche, França, 2010) ****
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