"Precisamos
falar sobre Kevin" é uma porrada, dessas assim no meio da cara. O filme
foi tão chocante pra mim que ao final estava tão irritada e me perguntando: por
que alguém faz um filme (ou escreve um livro) assim? Fiquei nervosa mesmo,
porque o filme te deixa tão desconfortável que você se pergunta: pra quê?
Mas depois o tempo vai passando, você vai se
acalmando e as coisas vão fazendo sentido, não o filme e sua história, mas as
maravilhas que o cinema pode proporcionar, viver tantas histórias, descobrir
tantas possibilidades, pensar sobre elas, aprender a relativizar, a tolerar.
Isso pra mim é a magia mais bonita de um filme, e que é bem próxima a de um
livro. Por falar em livro, por mais que eu entenda melhor a história de Kevin,
eu ainda acho que não teria estômago para lê-la, uma coisa é passar, sei lá,
duas horas, outra são horas e dias, remoendo, se entristecendo... E claro que
existe beleza na tristeza, mas não, essa eu passo, obrigada. Quem sabe algum
dia...
Isso tudo porque "Precisamos" é um
filme pesado, denso e tenso. Tem violência, mas ela não é do tipo que estamos
acostumados com Bruce Lee, ela é emocional, doída. Se me permitem uma piada, deveria
ser utilizada em campanhas de controle de natalidade. Se você tem dúvidas se
quer ter filhos não deveria assisti-lo (ou sim), porque o filme trata de um
assunto difícil que é: você não tem controle sobre seu filho. É óbvio que há a
educação, mas boa parte do que ele é ou vai ser depende da personalidade dele.
E se seu filho nascer psicopata? Mais uma vez endosso que a educação e o
carinho resolvem muita coisa, mas não tudo, coitado dos pais, muitas vezes
carregam um fardo pesado demais, se sentem responsáveis demais pelo ser humano
que @ filh@ resolveu ser...
"Precisamos" começa com um vermelho em
excesso, numa festa, na casa e no carro de Eva (Tilda Swinton). Realizado
em flashbacks, mais tarde vamos entendendo o motivo de Eva ser tão rejeitada
pela comunidade: seu filho Kevin. Mostrando presente e passado, percebemos que
Eva era uma mulher feliz e tinha um relacionamento feliz com Franklin (John C.
Reilly, que faz um marido muito parecido com o que fez em "As
horas"), só que ela engravida sem desejar e Franklin quer ter o bebê. Ela
não se sente feliz grávida, não se sente feliz com o filho pequeno e Kevin não
gosta dela desde sempre. Aqui muita gente pode alegar que Kevin já se sentia
rejeitado por ela, mas perae, Eva tentou, ela se sente culpada por não ser
maternal (como na cena da hidroginástica, ou algo assim, quando está grávida,
no vestiário, cheio de mulheres grávida - e lindas - exibindo suas barrigas e
ela se sentindo um ET), em nenhum momento ela destrata o filho (pensem aqui na
mãe de “Preciosa”, isso sim é um mãe má e cruel com a filha), não se sente a
vontade no papel de mãe, mas não pode ser culpada pela personalidade e pelas
atitudes do filho; mas se sente, e prova disso é que aceita com resignação a
hostilidade da comunidade frente à atitude de seu filho.
Estou
enfatizando aqui meu ponto de vista porque lembro exatamente de quando fui
pegar o filme na locadora e a atendente me disse que só uma pessoa – “que era meio
doida” – defendeu a mãe... Gente! O carinho, amor, afeto são fundamentais para
a criação de um ser humano saudável emocionalmente, mas a falta disso não gera,
necessariamente, o contrário: um ser humano despido de sentimentos como é
Kevin, isso é ônus demais para os pais carregarem.
Então
Eva se sente totalmente desajustada no papel de mãe, mas ela insiste, não
desiste, não passa pra ninguém sua responsabilidade. Há uma cena ótima, quando
ela passeia com Kevin ainda bebê e ele não para de chorar, e Eva para ao lado
de uma construção ao som de britadeiras e, enfim, relaxa... Pensem no
sofrimento desta mulher... O pai tem afinidade com o filho desde pequeno, mas
trabalha fora e convive bem menos com ele do que a mãe.
Kevin
vai crescendo e a gente vai percebendo como ele é verdadeiramente ruim. A única
atitude realmente condenável da mãe é dizer, na frente de Kevin quando ele era
criança, que a vida dela seria mais feliz sem ele. Gente e o menino é ruim
mesmo, faz tudo para desagradá-la, não fala, usa fraldas até mais velho,
rabisca o quarto que ela decorou com carinho e, principalmente, faz um jogo
psicológico muito forte com a mãe, e ela se sente culpada, como se sente. Kevin
sabe disso e usa essa culpa o tempo todo, como na cena na qual a mãe o vai
visitar na cadeia (quando está mais velho), ela fala algo e ele põe o dedo na
cicatriz que ele tem graças a uma queda por conta de um acesso de raiva da mãe,
e isso é o suficiente para que ela mude de assunto.
Kevin
cresce, deve ter uns 16 anos e ainda continua ruim. Eva tem outra filha, que é
um doce e a mãe a aceita muito melhor, como uma mãe deve ser. Mas Kevin
continua a fazer suas maldades, mata o coelhinho (ou algum bichinho que a irmã
ganhou de natal) e ainda colabora no acidente em que a irmã perde um olho (tadinha...).
Sabe
o que me irritou ainda mais? O pai. Franklin é um bocó (mais uma vez, muito
parecido com “As horas”), não percebe nada e ainda não acredita na mulher, e
Kevin se faz de bom moço na frente dele, o que irrita ainda mais Eva (ou a mim
que estava assistindo).
O
final do filme é esperado, já sabemos que Kevin está preso e que a sociedade
condena não só o filho, mas também a mãe e por isso podemos ter alguma ideia do
crime cometido, mas não, é pior, Kevin faz seu último ato, de uma maldade sem
limites com a mãe, a deixa viva, mais culpada ainda.
Para
viver ela, que antes tinha um emprego respeitável, tem que trabalhar como uma
assistente numa agência de viagens, tirando xerox e fazendo pequenas coisas, e
ainda tem que ouvir desaforos e ofensas dos colegas.
Bem,
“Precisamos” não é pra qualquer um, não é pra qualquer dia, mas é um filme
intrigante, que te põe pra pensar sobre a vida, sobre as pessoas e é por isso
que merece ser visto.
Precisamos falar sobre Kevin (We need to
talk about Kevin, EUA, 2011) ***
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