sábado, 16 de fevereiro de 2013

47º - "Hannah e suas irmãs"


João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém... "Hannah e suas irmãs" é assim, uma quadrilha como a de Drummond. Woody Allen quer mesmo mostrar como o nosso "coração é um músculo muito elástico", como Mickey, seu personagem, fala no final do filme. Centrado nas complexidades do ser humano e nas suas relações, é provável que "Hannah" concentre uma grande síntese do trabalho de Allen.

Passado, claro, em Manhattan e com vários takes em pontos centrais como o Central Park, o filme conta a história de Hannah (Mia Farrow) e sua família, em especial suas irmãs, Lee (Barbara Hershey) e Holly (Dianne Wiest). O marido de Hannah (Elliot) está apaixonado por Lee e o ex-marido de Hannah (Mickey) se casa com Holly. Nessa miscelânea de sentimentos e relacionamentos o que está em jogo é a beleza da imperfeição humana, tanto é que a personagem mais criticada é a própria Hannah, porque se anula para fazer feliz os que estão à sua volta, criando uma imagem de pessoa perfeita, e aparentemente é: Hannah é boa filha, boa irmã, boa mãe, boa ex-mulher, boa atriz, bem sucedida, mas por isso mesmo, desinteressante; as irmãs, ao contrário: Lee é a irmã mais nova, ex-alcoólatra, perdida em sua vida profissional e que tem um namorado que a controla; Holly também é perdida na vida, tentou ser atriz, dona de buffet, usava cocaína. Na revoltante perfeição de Hannah, está a grande sacada do filme, precisamos conviver com pessoas imperfeitas como nós, precisamos de certo conforto de sermos necessários, o marido de Hannah diz a ela "é difícil estar com alguém que dá tanto e não quer nada".

Apresentado em várias narrações - em diferentes momentos é um personagem que narra um pedaço de sua história e seus sentimentos - o filme apresenta as situações que as irmãs estão vivendo, lidando com suas frustrações e seus desejos. Mickey (Woody) que casa mais ao final do filme com Holly é um personagem cuja história é contata em paralelo com as outras, é um personagem cômico, muito divertido, no melhor jeito Woody Allen de ser (que eu amo, mas convenhamos, não é bom ator, está sempre fazendo ele mesmo), trabalha na TV com algo que não gosta e é hipocondríaco e histérico. Quando descobre a possibilidade de estar realmente doente começa a questionar a existência de Deus, o que rende cenas divertidíssimas, como ele falando aos pais que irá se converter ao catolicismo (já que ele acha uma religião forte e estruturada e tem afinidade, mas com "a ala anticatecismo, pró-aborto e antinuclear"), a mãe judia sai correndo se tranca no quarto chorando... Depois ainda procura os hare krishna, mas ao final, depois de quase se matar porque não conseguia entender o real motivo da vida, se há continuação ou se Deus existe, ele encontra sua resposta no cinema (ah!) quando se pergunta: e se Deus realmente não existir? E se nós só vivemos uma vez? E se convence de que o importante mesmo é ter a experiência de viver.
É divertido perceber, um filme de 1986, as diferenças nos figurinos (que já não são o forte dos filmes de Woody) e nos penteados. Creio que foi o segundo filme (atrás de “Noivo neurótico, noiva nervosa”) com mais indicações e prêmios Oscar de Allen, que nunca compareceu à cerimônia quando foi indicado, indo apenas em 2002, para fazer uma homenagem à NY após o atentado de 11 de setembro.
Como só mesmo Woody sabe fazer, “Hannah” mostra a delicadeza que são as relações humanas e como a vida é surpreendente e encantadora.
Hannah e suas irmãs (Hannah and her sisters, EUA, 1986) *****
“Seu olhar mais fugaz
Facilmente me revela
Embora eu já tenha
Me fechado, com o dedos
Você sempre me abre
Pétala por pétala
Como a primavera abre
Tocando habilmente
Misteriosamente
Sua primeira rosa
Não sei o que você tem
Que me abre e me fecha
Somente algo
Em mim entende
Que a voz de seus olhos
É mais profunda
Do que todas as rosas
Ninguém
Nem mesmo a chuva
Tem mãos tão pequenas”
(Somewhere I have never travelled, gladly beyond, E.E. Cummings)


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