João amava Teresa que
amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava
ninguém... "Hannah e suas irmãs" é assim, uma quadrilha como a de
Drummond. Woody Allen quer mesmo mostrar como o nosso "coração é um músculo
muito elástico", como Mickey, seu personagem, fala no final do filme.
Centrado nas complexidades do ser humano e nas suas relações, é provável que
"Hannah" concentre uma grande síntese do trabalho de Allen.
Passado, claro, em Manhattan e com vários takes em pontos centrais
como o Central Park, o filme conta a história de Hannah (Mia Farrow) e sua
família, em especial suas irmãs, Lee (Barbara Hershey) e Holly (Dianne Wiest).
O marido de Hannah (Elliot) está apaixonado por Lee e o ex-marido de Hannah
(Mickey) se casa com Holly. Nessa miscelânea de sentimentos e
relacionamentos o que está em jogo é a beleza da imperfeição humana, tanto é
que a personagem mais criticada é a própria Hannah, porque se anula para fazer
feliz os que estão à sua volta, criando uma imagem de pessoa perfeita, e
aparentemente é: Hannah é boa filha, boa irmã, boa mãe, boa ex-mulher, boa
atriz, bem sucedida, mas por isso mesmo, desinteressante; as irmãs, ao
contrário: Lee é a irmã mais nova, ex-alcoólatra, perdida em sua vida
profissional e que tem um namorado que a controla; Holly também é perdida na
vida, tentou ser atriz, dona de buffet, usava cocaína. Na revoltante perfeição
de Hannah, está a grande sacada do filme, precisamos conviver com pessoas
imperfeitas como nós, precisamos de certo conforto de sermos necessários, o
marido de Hannah diz a ela "é difícil estar com alguém que dá tanto e não
quer nada".
Apresentado
em várias narrações - em diferentes momentos é um personagem que narra um pedaço de sua
história e seus sentimentos - o filme apresenta as situações que as irmãs estão
vivendo, lidando com suas frustrações e seus desejos. Mickey (Woody) que casa
mais ao final do filme com Holly é um personagem cuja história é contata em
paralelo com as outras, é um personagem cômico, muito divertido, no melhor
jeito Woody Allen de ser (que eu amo, mas convenhamos, não é bom ator, está
sempre fazendo ele mesmo), trabalha na TV com algo que não gosta e é
hipocondríaco e histérico. Quando descobre a possibilidade de estar realmente
doente começa a questionar a existência de Deus, o que rende cenas
divertidíssimas, como ele falando aos pais que irá se converter ao catolicismo
(já que ele acha uma religião forte e estruturada e tem afinidade, mas com "a
ala anticatecismo, pró-aborto e antinuclear"), a mãe judia sai correndo se
tranca no quarto chorando... Depois ainda procura os hare krishna, mas ao
final, depois de quase se matar porque não conseguia entender o real motivo da vida, se há continuação ou se Deus existe, ele encontra sua resposta no
cinema (ah!) quando se pergunta: e se Deus realmente não existir? E se nós só
vivemos uma vez? E se convence de que o importante mesmo é ter a experiência de viver.
É divertido perceber, um filme de 1986, as diferenças nos figurinos (que já não são o forte dos
filmes de Woody) e nos penteados. Creio que foi o segundo filme (atrás de “Noivo
neurótico, noiva nervosa”) com mais indicações e prêmios Oscar de Allen, que
nunca compareceu à cerimônia quando foi indicado, indo apenas em 2002, para
fazer uma homenagem à NY após o atentado de 11 de setembro.
Como só mesmo Woody sabe
fazer, “Hannah” mostra a delicadeza que são as relações humanas e como a vida é
surpreendente e encantadora.
Hannah
e suas irmãs (Hannah and her sisters, EUA, 1986) *****
“Seu
olhar mais fugaz
Facilmente me revela
Embora eu já tenha
Me fechado, com o dedos
Você sempre me abre
Pétala por pétala
Como a primavera abre
Tocando habilmente
Misteriosamente
Sua primeira rosa
Não sei o que você tem
Que me abre e me fecha
Somente algo
Em mim entende
Que a voz de seus olhos
É mais profunda
Do que todas as rosas
Ninguém
Nem mesmo a chuva
Tem mãos tão pequenas”
(Somewhere
I have never travelled, gladly beyond, E.E. Cummings)
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