"Esta pode ser a
grande diferença, que separa, o homem selvagem do civilizado. O selvagem tem só
sentimento. O civilizado tem sentimentos e ideias"
Acho
que "A indomável sonhadora" tem tudo a ver com essa frase de Balzac,
que os homens selvagens são puro sentimento! O filme é tão duro, inocente, cru,
que a gente fica meio confuso, embasbacado de ver... Narra a história de uma
pequena comunidade que mora no que eles chamam de "Banheira", no
subúrbio de uma grande cidade nos EUA (a gente vê a cidade de longe, percebe-se
que é de porte grande, com indústrias) centrado na história da fofíssima
Hushpuppy, uma garota de 6 anos que é criada pelo pai e que fantasia sobre sua
vida (em suas fantasias eu me lembrei de "Onde vivem os monstros"). A protagonista (uma menina negra) Hushpuppy é uma sonhadora, mas não se
iluda porque ela não almeja bonecas, brinquedos caros, ir ao shopping ou ver
papai noel, ela sonha a partir dos elementos que ela reconhece, e é de partir o
coração ver, que em meio a toda pobreza e sujeira que eles vivem, tem uma
camisa vermelha com um rosto desenhado em cima que é a sua mãe, com a qual a
menina conversa e ouve de volta palavras de afeto. Outra que eu achei
apaixonante foi a mania de Hushpuppy ouvir o coração dos seres vivos, seja no
peito do pai (inclusive na cena final, chuif...), seja com todos os bichos que
moram ao seu redor, pintinho, galinha, cachorro,... E isso é importante no
filme porque a garota é criada por seu pai para se encarar como bicho (a cena
que um colega do pai tenta ensina-la a comer com talher e ele fica irritado
porque eles são bichos é ótima), então ali, entre os bichinhos, todos são
iguais, sendo que os mais fortes sobrevivem.
Os
moradores da "Banheira" tem consciência do local precário que
moram, mas querem viver ali, porque ali eles estabeleceram suas próprias
regras, seu próprio lazer, sua maneira de viver, bem diferente da cidade; ali
eles não se sentem marginalizados, são parte de um grupo. Acontece que uma
tempestade está para chegar e é provável que vá haver um alagamento na área,
alguns vão embora, outros ficam e a cena da tempestade é excelente, eu fiquei com
medo de tão verídica que foi. O alagamento acontece e a comunidade (os que
ficaram) vão tentar sobreviver na água e encontrar uma solução. Acontece que o
pai de Hushpuppy (Wink, interpretado por Dwight Henry) está morrendo, recusa se
tratar num hospital (pois não quer ficar "preso na parede") e tem que ensinar sua
filha a ser forte, a sobreviver; é duro, mas é muito comovente, apesar de eu
ter achado muito estranho a mania do pai de chamar a filha por apelidos
masculinos, do tipo “você é o cara”, “você vai ser o rei da ‘Banheira’” e
outros que não me lembro agora (para ser forte você precisa ser – ou se ver
como – homem?)...
O
mais interessante é que apesar de toda precariedade do local onde eles vivem,
eles buscam dignidade, algo que eles provavelmente não terão na cidade.
Quvenzhané Wallis (que interpreta Hushpuppy) faz muito bem seu papel, foi
indicada ao Oscar e recebeu muitas críticas, por ser criança (ela mentiu a
idade para poder participar do teste, disse que tinha 6, mas tinha 5 anos), por
ser seu primeiro papel. Mas é muito bacana ver um filme independente,
sem atores conhecidos, que fala da miséria nos EUA (quantos filmes falam
disso?) ser reconhecido pela academia e pelo público, porque é um filme
incrível.
Indomável sonhadora (Beasts of the
southern wild, EUA, 2012) ****
P.S.: Ontem foi noite de
Oscar e devo dizer que meus palpites não estavam tão certos. Tudo bem que eu
poderia ter me interessado mais e conhecido os outros prêmios que vieram antes
e que são um termômetro. Fiquei feliz com “Valente” (que é uma animação bem
feminista, muito boa) por ter ganhado melhor animação e até por Ang Lee ter
ganhado melhor diretor (achei o discurso dele muito bom, apesar de não gostar de
“As aventuras de Pi”). Não vi “Argo” (não chegou nos cinemas de Juiz de Fora,
aff), portanto imaginava que “Lincoln” fosse ganhar como melhor filme e fiquei
feliz por Anne Hataway (ganhou como melhor atriz coadjuvante por “Osmiseráveis"), agora “Amor” só ganhou como filme estrangeiro? E Jennifer Lawrence
ganhou como melhor atriz (por “O lado bom da vida”) deixando pra trás Emmanuelle Riva (de “Amor”)? Piada.
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