"Tem gente que pensa
que os filhos são coisa de um dia. Mas se demora muito, muito. Por isso é tão
terrível ver o sangue de um filho derramado no chão. Uma fonte que corre
durante um minuto e que a nós nos custou anos. Quando encontrei o meu filho estava
jogado no meio da rua. Eu molhei as mãos de sangue e as lambi com a língua.
Porque era meu sangue..."
Este
projeto tem 45 dias e até hoje eu não falei de nenhum filme do Almodóvar, um
diretor que eu gosto tanto... Mas acho que vou estreá-lo aqui em grande estilo,
falando de um dos meus preferidos; "Tudo sobre minha mãe" apresenta, em
minha opinião, a mãe mais maternal do cinema, forte, generosa, dedicada, amiga
e amorosa, sim, eu sou fã de Manuela (interpretada por Cecilia Roth). Ganhador
do Oscar de melhor filme estrangeiro, "Tudo" conta a história sofrida
de Manuela e outras tantas histórias que se entrelaçam à dela, como a de seu
filho Esteban que morre na noite de seu 17° aniversário, atropelado quando vai
pedir um autógrafo à Huma Rojo (Marisa Paredes), atriz principal da peça
"Um bonde chamado desejo". Manuela, que é enfermeira e responsável pela
parte de doação de órgãos se vê agora do outro lado, tendo que doar os órgãos
do próprio filho, e é linda a cena da outra enfermeira, de outro hospital, que
a conhecia por telefone, chorando pela morte do filho da colega (coisitas
femininas que só uma alma como a do Almodóvar pode captar). Com a dificuldade
de lidar com a dor pela morte do filho, Manuela resolve sair do hospital, sair
de Madri para ir até Barcelona, onde está o pai de Esteban (que desconhece o
fato de ter um filho) e contar a ele sobre o menino. Acontece que chegando em
Barcelona Lola (uma travesti que é o pai de Esteban) está sumida, então Manuela
se reencontra com sua amiga Agrado (também travesti, "porque sempre quis
tornar a vida dos outros agradável"), com Huma e Nina (sua namorada) e
conhece a freira Rosa (Penélope Cruz) que está grávida de Lola e dela também
contraiu o vírus HIV. Pronto, são tantos temas polêmicos que facilmente viraria
um filme piegas e exagerado (se fosse brasileiro...), mas não na mão de
Almodóvar, que faz tudo isso funcionar em tanta harmonia que você se esquece o
quão bizarro é.
O
filme é tão delicado, e trata desses elementos polêmicos com tanta
sensibilidade e humor... Em minha opinião é o papel mais carismático de
Penélope Cruz, é um filme no qual um dos protagonistas é travesti, Agrado,
responsável por cenas muito divertidas, e ainda há várias cenas dolorosas, como
a da morte de Esteban, a cena de Manuela contando para Huma por que a procurou
e a cena de Rosa se despedindo do pai (que está com Alzheimer e não a reconhece)
e do cachorro dentro do táxi antes de ir para o hospital.
Manuela
é a mãe mais mãe que eu me lembro de ter visto no cinema, ela é mãe do Esteban
seu filho, Esteban filho de Rosa, de Agrado, de Huma, de Rosa, é dura e amorosa
como deve ser, tem amor e dor que uma mulher mãe que perdeu o filho
provavelmente sempre carregará.
No
filme há também os elementos característicos de Almodóvar, suas cores, suas
personagens; e o Almodóvar consegue, como ninguém no cinema, homenagear as
mulheres, em “Tudo” os homens que aparecem (quando aparecem) são totalmente
coadjuvantes, o filme é dominado por figuras femininas, o tempo todo, é uma
grande homenagem às mulheres, às mães.
“A todas as atrizes que
interpretam atrizes, a todas as mulheres que atuam, aos homens que atuam e se
tornam mulheres, a todas as pessoas que querem ser mães. À minha mãe” Pedro
Almodóvar.
Tudo sobre minha mãe
(Todo sobre mi madre, Espanha, 1998) *****
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