quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

59° - "O nome da rosa"


Dando sequências aos filmes que tratam da influência dos livros na sociedade, resolvi falar de "O nome da rosa" que é um filme muito conhecido do público (seja por preferência, seja por indicação de professores de história/filosofia). Isso porque o filme é muito bom, e narra uma história de mistério e suspense ambientada na Idade Média; então é um filme que tem uma história interessante e que revela o cenário que a Europa vivia no ano 1300. 
William de Baskerville (Sean Connery) é um franciscano que é chamado a um mosteiro beneditino italiano (que continha o maior acervo cristão do mundo) para desvendar uma série de crimes que vêm ocorrendo no mosteiro, os corpos são encontrados sempre com a ponta de um dedo e a língua pretos; e os monges atribuem o fato ao demônio, enquanto que Baskerville com recursos de investigação a la Sherlock Holmes irá procurar as evidências que levam ao assassino e ao motivo dos crimes.
Como pano de fundo da história percebemos as crueldades praticadas pela Igreja Católica, se no filme de ontem o regime totalitário cerceava a liberdade dos indivíduos, aqui, em "O nome" esse papel é da Igreja, o que nos deixa um pouco desesperançosos porque percebemos que, sempre na história que um homem ou Instituição teve muito poder ele se valeu disso para criar ambientes de terror e grandes injustiças, e o que vemos a Igreja fazer no filme é de uma crueldade sem fim, com bichos, com os pobres, com os próprios clérigos. E veja bem, se não é muito fácil ser mulher hoje em dia, vou te dizer que em 1327 era praticamente impossível, a figura da mulher é completamente associada ao errado, ao demônio, à bruxaria, ao pecado, quando a menina - a única mulher do filme - é pega com um monge (em troca de comida) a culpa é dela porque ela é provocadora do pecado.
Mas os absurdos não param aí, as violências que os monges praticavam com o povo, vivendo na farturas, enquanto o povo na total miséria e descaso; a inquisição com o falso julgamento, já que um único homem decidia o que era heresia, manipulando, torturando, fazendo maldades. A melhor cena é quando os franciscanos estão discutindo com outro tipo de doutrina católica (não sei qual, mas estão todos muito bem vestidos, cheios de pomba, coloridos e com ouro) e os franciscanos argumentam que Cristo não viveu na riqueza enquanto o povo vivia na miséria...
Mas o interessante aqui é que o filme mostra porque a Igreja se entendia desta forma e, claro, não tem nada a ver com Jesus ou com a bíblia, mas com os homens, que até hoje interpretam a bíblia a partir de seus interesses.
E é incrível quando Baskerville e seu pupilo Adso de Melk (Chritian Slater) encontram a biblioteca que fica escondida no porão e é enorme, um labirinto. Baskerville fica fascinado com a quantidade de livros e com seus conteúdos e fala para Adso:
“- Ninguém deveria ser proibido de consultar esses livros
- Talvez eles sejam considerados preciosos e frágeis demais
- Não, não é isso, é porque eles têm uma sabedoria diferente da nossa e odeias que nos fariam por em dúvida a infalibilidade da palavra de Deus”
E é esta reflexão que o leva à origem dos crimes, há um livro considerado proibido, e todos que o encontram e leram foram mortos (porque havia veneno nas páginas), o livro proibido é "o riso" de Aristóteles (título inventado por Humberto Eco, escritor do livro que originou o filme) e sua leitura proibida porque rir afasta o temor, e sem temor não pode haver fé! 
Outra vez, mais um filme que mostra como o conhecimento é perigoso para o autoritarismo, e como a leitura liberta e dá poder.
O nome da rosa (Le nom de la rose, França, Itália, Alemanha, 1986) ****

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

58° - "Fahrenheit 451"


Eu tô pra dizer que "Fahrenheit 451" é o melhor filme que eu já vi! Estou impactada com tanta beleza!! A história do filme é incrível! O roteiro e a direção são de Truffaut, e ele se baseou num livro de Ray Bradbury com o mesmo nome, lançado próximo ao “1984” de Geroge Orwell. 
Eu não li o livro, mas o filme é ótimo, quase duas horas de uma história que emociona demais... “Fahrenheit 451” (que é a temperatura na qual os livros começam a entrar em combustão) é ambientado num futuro dominado por um regime totalitarista (e achei um futuro, pense que o filme é de 1966, com elementos bem próximos ao que vivemos hoje, sem exageros) onde Montag (interpretado por Oskar Werner, o loirinho do "Jules and Jim") é um bombeiro, bom profissional, cuja função é queimar livros. Isto porque os livros são proibidos (escrever ou ler também, como na cena na qual Montag está vendo um jornal, com uma história em quadrinhos apenas com desenhos), quem os lê ou os têm é considerado um infrator. Sendo assim, num futuro onde as casas já não pegam mais fogo, o trabalho dos bombeiros é incendiar, não apagar; olha e é bem duro ter que ver a quantidade de livros que são queimados no filme, para causar desconforto mesmo, tem closes e mais closes nos livros queimando, página por página de Flaubert, Dostoiévski, Lewis Carrol, Dalí, ... (dá um aperto no coração).
Se por um lado os livros são proibidos, as TVs são muito mais que estimuladas, são o lazer obrigatório para a população, e a crítica da manipulação da mídia é evidente, na figura da mulher de Montag (vivida por Julie Christie, que parece a Gina dos palitos) que é totalmente alienada. A cena na qual ela acha que está interagindo com um programa de TV me lembrou demais programas que estão tão em evidência hoje, como Big Brother, The Voice, e por aí vai que dão uma ilusão de que os telespectador dialoga diretamente com a programação, que faz parte efetiva dela (volto a lembrar que o filme é de 1966, o livro de 1953, já prevendo esta realidade que é mais recente). 
Neste regime totalitarista (não vemos quem é o ditador, os que estão no poder) a liberdade de decisão e de pensamento das pessoas é totalmente cerceada, seja pela TV, na educação, na coação, na medicação (as pessoas são induzidas a tomar remédios que controlem suas sensações e emoções) e até numa cena estranha, quando a esposa de Montag sofre um envenenamento de tanto remédio e os enfermeiros trocam seu sangue, cuja consequência é quase uma lavagem cerebral. Na verdade as pessoas se esquecem, não têm memória, não têm grandes sofrimentos ou grandes alegrias, são robôs, totalmente controlados.
É claro que neste cenário os livros serão proibidos, pois a leitura tira da inércia e faz pensar, pois conhecimento é poder. O mais interessante aqui são os argumentos utilizados pelos bombeiros para que os livros sejam proibidos, porque são subversivos, porque te levam a ver um mundo que você nunca poderá viver e por isso te tornará infeliz (isto porque num mundo de controle sonhar é uma contravenção).
É claro que os bombeiros proferem o discurso porque foram treinados para isso, como mostra bem na academia de bombeiros, eles são induzidos a acreditar que aquela é a melhor maneira de viver (poxa, como parece com "A vida dos outros", ou melhor, "A vida" parece com "Fahrenheit"). Montag também fazia parte deste grupo, até que um dia conhece no metrô, voltando para casa, Clarisse (também interpretada por Julie Christie, que é a Lara de "Doutor Jivago") sua vizinha conversadeira e lá pelas tantas lhe pergunta: "você nunca teve curiosidade de ler um livro antes de queimá-lo?", pronto o processo é irreversível, Montag começa a ler, a questionar sua realidade, a mudar seu comportamento em casa e no trabalho...
A maior beleza no filme são os homens-livro, quando Montag se atrapalha e acaba matando seu chefe para não ter que queimar seu livro preferido (Histórias de Mistério e Imaginação de Edgar Allan Poe) ele tem que fugir e acaba chegando num dos acampamentos onde vivem os homens-livros, são pessoas apaixonadas por livros, sendo que cada uma delas decorou seu livro favorito - em seguida o queimou - para que um dia, no fim da repressão, eles pudessem recitar os livros e publicá-los novamente. Neste acampamento, o nome próprio vira o nome do próprio livro, e eles são vistos como relíquias, porque carregam com si o maior tesouro que possa existir (ahh!). Tem uma cena lindíssima, de um senhor acamado, quase morrendo, mas antes precisa ditar e fazer seu sobrinho - um garoto - decorar o seu livro. E assim, de todas as riquezas que eu vi nessas quase duas horas de filme, a mensagem do final é realmente cativante: que há esperança no ser humano, na sua fé nas palavras e na beleza do conhecimento.
Fahrenheit 451 (Reino Unido, França, 1966) *****

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

57° - "Minhas tardes com Margueritte"


"Foi um encontro discreto do afeto com o amor. Ela não tinha outro teto, tinha nome de flor, vivia cercada de palavras, adjetivos, substantivos, verbos e advérbios. Alguns chegam sem jeito, ela chegou com doçura. Quebrou minha armadura e se alojou no meu peito. Nas histórias de amor não há apenas o amor, nunca dissemos 'eu te amo', no entanto nos amamos. Não é uma história comum, ela leu pra mim num banco de jardim; era frágil como uma pomba, sentada àquela sombra, cercada de palavras de nomes comuns como eu. Me deu muitos livros que me tornaram mais vivo. Não morra agora, espere um pouco, não é a hora doce senhora. Me dê um pouco mais ainda, um pouco mais de sua vida. Nas histórias de amor, não há apenas o amor. Nunca dissemos 'eu te amo', no entanto nos amamos."

Ahh, que filme gracinha que é "Minhas tardes com Margueritte", uma delícia de ver. É desses filmes que deixam a alma da gente mais leve, sabe? Com esperança nas pessoas, na delicadeza, na pureza, no amor... E que amor lindo entre os protagonistas - aparentemente tão diferentes, opostos - de um lado Germain (Gérard Depardieu) que é um bronco, grande, gordo, sem jeito com as palavras, mas com um ótimo coração; de outro Margueritte (Gisèle Casadesus) - com dois tês - uma senhorinha linda linda, magrinha, singela, extremamente sábia. Eles se encontram numa praça, numa determinada tarde e depois começam a se encontrar, conversar, e Margueritte começa a ler para Germain. Nesse processo, com pequenos flashbacks, vamos entendendo a vida de Germain, a razão por sua autoestima tão baixa, por suas inseguranças (apesar dele ter uma namorada linda e fofa!), Germain sempre foi rejeitado pela mãe (que é cruel com ele até hoje, com ele adulto) pelos professores, pelos colegas, enfim ele se sente mal, mas tem um coração tão bom que não desiste das pessoas. Margueritte acredita nele, e começa a ler na praça, o faz ter interesse em aprender. Então aí está o amor: de um lado ela lhe oferece afeto e compreensão, e de outro ele oferece cuidado e carinho, é uma lindeza, uma amizade encantadora! Margueritte é sozinha, não teve filhos e mora num abrigo para idosos que seu sobrinho paga (seu quarto é cheio de livros, para todos os lados, uma graça) e Germain não tem o carinho que merece da mãe, daí um encontro perfeito, da carência com a paciência, da ignorância com a sabedoria, com a vontade e mais vontade.
Assim como o filme que comentei ontem, "Balzac e a Costureirinha chinesa", "Minhas tardes" também tem foco nos livros e como eles são transformadores e libertadores. E é linda a cena na qual Germain chega para visitar Margueritte em seu quarto no abrigo e lhe devolve o dicionário que ela lhe deu, dizendo que não encontrou nenhuma palavra de seu interesse, e que não valia a pena investir nele, um idiota. Na verdade ele estava se sentindo mal, porque o dicionário mostrava a ele o quanto ele ignorava das palavras e das coisas, e a vida não é mesmo assim, minha gente? Em meu trabalho, como docente, encontro algumas pessoas que adoram se gabar de seus títulos e eu sempre penso: "como uma pessoa, que estuda tanto, pode ser tão arrogante? Se quanto mais a gente estuda mais a gente percebe que não sabe de nada..." E Germain diz a Margueritte que dar um dicionário a ele é a mesma coisa que dar um óculos a um míope, "de repente vemos tudo, todas as falhas e defeitos. Tentei aprender, mas dói muito, era melhor antes, era tudo mais simples". É claro que é apenas um desabafo, sincero, mas irreversível, porque quanto mais a gente aprende e se encanta, mas a gente quer (como diz Germain "nunca usei drogas, mas também nunca usei livros.").
E a atriz que faz Margueritte, Gisèle Casadesus, que lindeza sem fim! Ela estava com 94 anos quando fez o filme!! E sua personagem, Margueritte é uma senhora sábia, calma e cheia de ternura, é para se apaixonar!
Minhas tardes com Margueritte (La Tête en friche, França, 2010) ****

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

56° - "Balzac e a Costureirinha chinesa"


Para inaugurar a semana do meu aniversário, que culminará no sábado, quando eu finalmente me tornarei uma "Balzaca", escolhi falar deste filme que tem tudo a ver com Balzac, mas nada a ver com sua obra mais famosa (mas que também o limita) "a mulher de 30 anos".
"Balzac e a costureirinha chinesa" é um filme incrível, delicado, feminista. Ele vai falar em como um livro tem a capacidade de mudar uma vida inteira e escolhe o cenário mais inóspito para tal tema, a revolução cultural promovida por Mao Tse-Tung no fim da década de 1960 que entre outras medidas, eliminou das bibliotecas obras ocidentais consideradas burguesas, tornando suas leituras proibidas.
O filme inicia-se com dois jovens (Luo e Ma) chegando à uma pequena comunidade isolada no Tibet, eles foram para lá levados pois são considerados burgueses reacionários (e seus pais também) e então são encaminhados para este centro de reeducação. A comunidade é muito simples e ignorante (acho que ninguém ou quase ninguém sabe ler) e o chefe considera tudo que seja diferente uma afronta ao líder chinês e assim queima livros e alguns pertences dos garotos, menos o violino de Ma, pois Luo o convence que Mozart compunha para o presidente Mao. 
Então o filme mostra a dificuldade dos dois amigos em viver e trabalhar no campo, com toda pressão física e também psicológica. Eles conhecem a Costureirinha (neta do alfaiate local) e se apaixonam por ela (cada um a seu modo). Luo que mantém um romance com ela promete que vai educá-la e conta suas histórias, até um dia que ela revela aos dois que Quatro Olhos (um jovem que também está sendo reeducado, mas aparentemente está prestes a voltar para a cidade) tem uma mala com vários livros proibidos. Os dois roubam a mala e lá descobrem vários livros de autores diversos, como Dumas, Flaubert, Baudelaire, Rousseau, Dostoievski, Dickens e Balzac. Eles escondem os livros numa gruta e a leitura faz com que o tempo e a vida dos três mudem. É linda a cena na qual Ma se levanta, após passar a noite toda lendo Ursule Mirouet e murmura que o mundo mudou, "o céu, as estrelas, os sons, a luz, até o cheiro dos porcos"...
Mas a maior e melhor mudança vem da Costureirinha, que se apaixona por Balzac, em meio à literatura a garota aprende a ler e a se libertar e esse processo é muito bonito de ver. Quando ela decide ir embora, para a cidade, Lou, apaixonado, lhe pergunta: “quem a transformou?” e ela “Balzac”. Logo depois Lou diz à Ma, “ela foi embora por causa de Balzac, disse que lhe ensinou uma coisa: a beleza de uma mulher é um tesouro sem preço.”
“Meu pobre Cristóvão você não imagina as delícias da liberdade. Sentir que todas as mentes à sua volta são livres, mesmo a dos ignorantes, é um prazer indescritível como se a alma estivesse nadando em céus infinitos. Ela jamais poderia viver em outra parte”.
Balzac e a Costureirinha chinesa (Balzac et la petite tailleuse chinoise, China e França, 2001) ****

domingo, 24 de fevereiro de 2013

55º - "Indomável sonhadora"


"Esta pode ser a grande diferença, que separa, o homem selvagem do civilizado. O selvagem tem só sentimento. O civilizado tem sentimentos e ideias" 
Acho que "A indomável sonhadora" tem tudo a ver com essa frase de Balzac, que os homens selvagens são puro sentimento! O filme é tão duro, inocente, cru, que a gente fica meio confuso, embasbacado de ver... Narra a história de uma pequena comunidade que mora no que eles chamam de "Banheira", no subúrbio de uma grande cidade nos EUA (a gente vê a cidade de longe, percebe-se que é de porte grande, com indústrias) centrado na história da fofíssima Hushpuppy, uma garota de 6 anos que é criada pelo pai e que fantasia sobre sua vida (em suas fantasias eu me lembrei de "Onde vivem os monstros"). A protagonista (uma menina negra) Hushpuppy é uma sonhadora, mas não se iluda porque ela não almeja bonecas, brinquedos caros, ir ao shopping ou ver papai noel, ela sonha a partir dos elementos que ela reconhece, e é de partir o coração ver, que em meio a toda pobreza e sujeira que eles vivem, tem uma camisa vermelha com um rosto desenhado em cima que é a sua mãe, com a qual a menina conversa e ouve de volta palavras de afeto. Outra que eu achei apaixonante foi a mania de Hushpuppy ouvir o coração dos seres vivos, seja no peito do pai (inclusive na cena final, chuif...), seja com todos os bichos que moram ao seu redor, pintinho, galinha, cachorro,... E isso é importante no filme porque a garota é criada por seu pai para se encarar como bicho (a cena que um colega do pai tenta ensina-la a comer com talher e ele fica irritado porque eles são bichos é ótima), então ali, entre os bichinhos, todos são iguais, sendo que os mais fortes sobrevivem.
Os moradores da "Banheira" tem consciência do local precário que moram, mas querem viver ali, porque ali eles estabeleceram suas próprias regras, seu próprio lazer, sua maneira de viver, bem diferente da cidade; ali eles não se sentem marginalizados, são parte de um grupo. Acontece que uma tempestade está para chegar e é provável que vá haver um alagamento na área, alguns vão embora, outros ficam e a cena da tempestade é excelente, eu fiquei com medo de tão verídica que foi. O alagamento acontece e a comunidade (os que ficaram) vão tentar sobreviver na água e encontrar uma solução. Acontece que o pai de Hushpuppy (Wink, interpretado por Dwight Henry) está morrendo, recusa se tratar num hospital (pois não quer ficar "preso na parede") e tem que ensinar sua filha a ser forte, a sobreviver; é duro, mas é muito comovente, apesar de eu ter achado muito estranho a mania do pai de chamar a filha por apelidos masculinos, do tipo “você é o cara”, “você vai ser o rei da ‘Banheira’” e outros que não me lembro agora (para ser forte você precisa ser – ou se ver como – homem?)...
O mais interessante é que apesar de toda precariedade do local onde eles vivem, eles buscam dignidade, algo que eles provavelmente não terão na cidade. Quvenzhané Wallis (que interpreta Hushpuppy) faz muito bem seu papel, foi indicada ao Oscar e recebeu muitas críticas, por ser criança (ela mentiu a idade para poder participar do teste, disse que tinha 6, mas tinha 5 anos), por ser seu primeiro papel. Mas é muito bacana ver um filme independente, sem atores conhecidos, que fala da miséria nos EUA (quantos filmes falam disso?) ser reconhecido pela academia e pelo público, porque é um filme incrível.
Indomável sonhadora (Beasts of the southern wild, EUA, 2012) ****

P.S.: Ontem foi noite de Oscar e devo dizer que meus palpites não estavam tão certos. Tudo bem que eu poderia ter me interessado mais e conhecido os outros prêmios que vieram antes e que são um termômetro. Fiquei feliz com “Valente” (que é uma animação bem feminista, muito boa) por ter ganhado melhor animação e até por Ang Lee ter ganhado melhor diretor (achei o discurso dele muito bom, apesar de não gostar de “As aventuras de Pi”). Não vi “Argo” (não chegou nos cinemas de Juiz de Fora, aff), portanto imaginava que “Lincoln” fosse ganhar como melhor filme e fiquei feliz por Anne Hataway (ganhou como melhor atriz coadjuvante por “Osmiseráveis"), agora “Amor” só ganhou como filme estrangeiro? E Jennifer Lawrence ganhou como melhor atriz (por “O lado bom da vida”) deixando pra trás Emmanuelle Riva (de “Amor”)? Piada.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

54° - "A invenção de Hugo Cabret"


Uma vez uma amiga me disse algo bem interessante, que os temas de filmes do Oscar tendem a girar em torno de um tema parecido, por exemplo de "Avatar" e "Guerra ao Terror", sobre conflitos, guerras; "Cisne Negro" e "Discurso do Rei" como filmes de desajustados, esse ano "Lincoln" e "Django livre" sobre escravidão; e, a partir dessa ótica, o mais fácil de perceber as ligações foi ano passado, 2012, porque os filmes grandes ganhadores da noite "O artista" e "A invenção de Hugo Cabret" fizeram uma grande homenagem ao cinema.
"A invenção" é um filme que a gente se emociona a partir das imagens, ele é lindo, lindo de ver. Ganhador de alguns Oscar, entre eles melhor fotografia e melhor direção de arte, "A invenção" tem cores linda, ainda que grande parte do filme esteja nas tonalidades de azul e marrom; e eu tive o privilégio de assisti-lo em 3D, que até então era uma modalidade de cinema interessante, mas que o Scorsese conseguiu imprimir um outro significado, as cenas são lindíssimas, não esqueço de como foi maravilhoso ver as cenas que mostram o passado de Geroge Méliès, ele produzindo seus filmes, fazendo os efeitos especiais, lindo de ver!
O filme se passa em Paris (taí outra semelhança com "O artista", o primeiro é americano fazendo filme na França e o segundo é francês ambientando filme nos EUA), nos anos 1920, e Hugo Cabret é um menino triste (com aqueles olhos, bem escolhidos para a fotografia do filme, azuis) que mora na estação de trem "Gare Montparnasse" e é responsável pela manutenção de todos os relógios da estação. Na verdade quem é o responsável é o tio de Hugo, mas ele bebe muito e vive sumido (até que descobrimos que está morto em algum lugar de Paris) o que faz com que Hugo tenha que viver escondido na estação, para que todos - em especial o inspetor Gustav (Sacha Baron Cohen) pensem que é o tio quem cuida dos relógios. No decorrer do filme vamos entendo as tristezas de Hugo, ele é órfão e perdeu o pai - que era um companheiro pra ele - há pouco tempo; o pai de Hugo era responsável por um museu e um dia encontra um autômato, que é um robô grande que tem a função de escrever/desenhar algo. Então Hugo e seu pai se empenham em consertar o robô, mas o pai morre neste processo e Hugo se dedica a consertar o autômato sozinho, pois crê que é uma maneira de estar mais próximo ao pai.
Hugo conhece então Isabelle (Chloe Moretz) uma menina da mesma idade de Hugo, que é criada por Papa George e sua esposa. Hugo percebe que Isabelle carrega consigo uma chave com o formato de coração que é o que falta para fazer o autômato funcionar. Quando o robô funciona desenha uma lua com um foguete no olho, e os meninos vão pesquisar o que significa e descobrem que Papa Georges, o mal-humorado dono da loja de brinquedos, é na verdade George Méliès, um ilusionista famoso que se tornou cineasta, produziu mais de 500 filmes no primeiro estúdio construído na Europa e é considerado o precursor dos efeitos especiais.
“A invenção” é uma homenagem ao cinema e um agradecimento à importância de Méliès para a sétima arte, e é por isso que um filme que homenageia Méliè teria que ser em 3D e mostrar, ainda que de maneira sutil e delicada, as inovações que o cinema pode apresentar nos dias de hoje. Eu gosto do fato da mágica, do cinema e da brincadeira estarem juntos no filme, porque partem do mesmo elemento: do encanto. 
A invenção de Hugo Cabret (Hugo, EUA, 2011) ****

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

53º - "Lincoln"


Domingo é dia de Oscar, existe uma expectativa, bolões, retrospectivas de outros ganhadores (tem uma ótima aqui, mostrando que dos últimos 50 ganhadores de melhor filme somente 7 eram sobre mulheres) e, claro, um congestionamento nos cinemas. Para mim - porque na minha cidade - é a melhor época de ir ao cinema, quando muitos indicados estão em cartaz (tem época do ano que é de dar dó).
Então, aproveitando essa euforia pré-Oscar fui ontem ao cinema ver "Lincoln"; e gostei muito do filme e da atuação do Daniel Day-Lewis, na minha opinião o filme leva nessas duas categorias, que concorre junto com outras 10. Os EUA gostam de filmes patrióticos e têm adoração por Lincoln. Eu não sei realmente como foi sua atuação como presidente e seus valores como pessoa, mas o que ele representa, o que ficou, é algo muito positivo para um povo. Tudo bem que grande parte disso se deve ao fato de que ele foi assassinado num teatro, durante uma peça, por um ator que era contra seus ideais e isso é forte demais, constrói um mártir. Durante o filme eu fiquei pensando se nós teríamos uma figura assim no nosso país, ou se algum dia teremos (porque essas figuras quase míticas são construídas com tempo, quando fatos verídicos e lendas vão se misturando).
Embora "Lincoln" seja um bom filme, com boas histórias, bonito de ver, é desses filmes que a gente assiste desconfiado (e não é porque sou mineira), porque envolve dois elementos duvidosos: política e EUA. Por mais bonito que possa parecer, é difícil aceitar assim, do nada, sem nenhum - ou quase nenhum - interesse que o presidente dos EUA é um cara bonzinho que quer acabar com a escravidão, e eu não sei se estou exagerando, mas a minha sensação é que vários outros propósitos foram escondidos para Lincoln ficar mais carismático, será?! Vou tentar me explicar melhor, o filme até ajuda neste quesito, acontece que, para uma pessoa se tornar pública, ter votos e ser eleita para um cargo político há tantos elementos envolvidos, tanto jogo de interesse que dificilmente a pessoa passa incólume até chegar a presidência, sei lá, sou meio descrente, acho que a pessoa pode ter seus valores, mas sua moral fica, digamos, mais volátil. 
Entretanto, o filme não nos trata como tolos, e mostra, no que eu acho o mais interessante, que para Lincoln conseguir aprovar a emenda constitucional que acabaria com a escravidão no país, ele tem que prorrogar o fim da guerra civil entre norte e sul dos EUA, que já durava 4 anos e estava na iminência de acabar. Contudo, se ele resolvesse acabar com a guerra não conseguiria aprovar a emenda (já que ela passou, para a maioria dos representantes, como um motivo para o fim da guerra, não como o fim da escravidão) e então, o presidente vive um dilema: quem sacrificar? E é também uma aposta, pois para aprovar a emenda tem que convencer não só a maioria do seu partido, como também parte dos democratas.
Infelizmente tenho que admitir minha ignorância com relação à história dos EUA, mas eu não sabia, e achei interessante neste processo, que Lincoln fosse republicano e que dentro do partido havia tantos pró-abolição (como Thaddeus Stevens, interpretado por Tommy Lee Jones, gracioso com aquela ‘peruquete’) enquanto que os democratas fossem tão retrógrados (pelo menos neste aspecto), sendo que é hoje o partido de Obama, presidente e negro.
E por mais que o filme seja antigo, 1865, nem faz tanto tempo assim se considerarmos a história do mundo, para que pensar em abolição seja difícil, pensar em voto dos negros impossível e em votos para mulher praticamente uma brincadeira de mau gosto (gostei dessa cena, não no sentido bom). E Lincoln é um filme totalmente masculino, quase não existe mulher em cena, eu contei 3, uma que trabalha na casa de Lincoln e tem uma conversa franca com o presidente, outra que também é negra e tem que fingir ser criada, apesar de ser esposa de Thaddeus (foi uma cena bem bonita, viu?! Não sei se baseada em fatos reais...) e outra a esposa de Lincoln que é retrata como uma mulher instável e enjoada (não gostei dela nem da atuação de Sally Field). Enfim, eu descrevi rapidamente as 3 que, sei lá, durante os 150 minutos de filme devem representar uns 0,01% do elenco.
Eu não sei se faz parte do mito Lincoln, mas além de Daniel Day-Lewis está incrível no papel, Lincoln foi um cara espetacular em seu modo de agir e de pensar, com a expressão sempre tranquila, quieto, quando falava era sempre com uma voz calma (até na hora em que ficou irritado, bateu na mesa e a fala foi mansa...) e pausada, sei não viu, eu queria ser assim quando crescer... Vi em alguma crítica falando que o filme é bem parado, e até concordo um pouco, eu estava morrendo de sono, a sessão no cinema muito tarde, mas eu acho que o filme tem o ritmo do próprio Lincoln que Spielberg quis apresentar.
Tanto o início quanto o final do filme foram rápidos, deixando mesmo a ênfase no período final de vida do presidente e creio, sua principal contribuição ao país, que a abolição da escravatura fosse votada democraticamente, não sendo apenas a decisão de uma assinatura, e as dificuldades de convencer 2/3 dos homens que representam um país tão grande e diverso. O fim, que imagino todos esperavam ser mais relevante, tratou muito rápido a morte do presidente, que apesar de americano, saiu do mundo para entrar para a história.
Lincoln (EUA, 2012) ****

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

52° - "O lado bom da vida"



"porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, o que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício explodindo como constelações em cujo centro fervilhante - pop! - pode-se ver um brilho azul intenso até que todos 'aaaaaah!'". Kerouac, "On the road"

Olha, eu gostei muito de "O lado bom da vida", mais do que eu imaginei que gostaria. Estava com um pouco de preguiça de ver e o trailer não é lá tão convidativo, mas o filme é bacana, uma comédia romântica que tem seus elementos, mas não sobrevive deles. Isso tudo porque o que eu mais gostei foi que ambos protagonistas são totalmente desajustados socialmente, são visto pelo grupo como loucos, não assim loucos como "Um estranho no ninho", mas quase lá.
Pat Solitano (Bradley Cooper) foi internado numa clínica psiquiátrica depois de ser diagnosticado como bipolar e, uma semana depois, pegar no flagra sua esposa com um colega de trabalho (são todos professores, eu até achei legal, que é uma profissão que deixa a gente pirado mesmo...) no banheiro da casa deles enquanto ao fundo estava tocando a música do casamento deles, é de pirar não?! Pat tem um acesso de fúria e espanca o amante da esposa e, com isso, perde o trabalho, a casa e a esposa (eu coloquei em ordem de importância, no caso dele). Sua mãe, fofíssima, Dolores Solitano (Jacki Weaver) o tira do hospital sob sua responsabilidade, pois após 8 meses ela crê que o filho já pode voltar ao lar e aos seus. Então Pat volta, com a ilusão que se reconquistar sua esposa reconquistará toda sua vida anterior e tudo voltará ao normal, mas o que é normal? Será que é mesmo bacana ou apenas uma escolha mais fácil? Neste processo de loucura e normalidade me pareceu que Pat é um cara bem mais feliz que Roonie (John Ortiz), seu amigo, que tem uma vida considerada normal, mas enfrenta uma grande pressão e é infeliz. Neste caso a loucura é uma libertação, se todos te acham doido, se ninguém tem grandes expectativas sobre você, então você é livre para falar o que pensa, para fazer o que quer.
Esse amigo, Roonie, convida Pat para um jantar na sua casa e lá ele conhece a cunhada do amigo, Tiffany (Jennifer Lawrence) cujo marido faleceu recentemente (pra mim um motivo para ficar enlouquecido para o resto da vida) e que também é vista pelos outros como desajustada, doida... Eles começam uma amizade, ela se encanta por Pat desde o início, ele vê em Tiffany uma maneira de chegar até Nikki (sua ex-esposa) já que tem um mandato de restrição e não pode chegar a menos de 150 metros dela. Tiffany diz que só o ajudará se ele fizer algo por ela, se ele a ajudar num concurso de dança, como seu companheiro, e ele aceita. O resto é mais ou menos previsível.
E é bacana a maneira como eles encaram a vida, e olha eu sei que todo mundo anda falando da Jennifer Lawrence, mas Bradley Cooper está muito bom no papel, tem cenas fortes e ele oscila tanto no humor, quanto na lucidez e sei não, mas acho que deve ser bem difícil fazer esse papel que é cheio de estereótipos.
Mas gosto muito da Tiffany e de suas cenas com Pat, eu fiquei pensando que cada um de nós tem um botão do "foda-se", existe um limite do que é tolerável, do que é suportável; se você chega neste limite dali pra frente já não vale a pena fingir, pra quê? Pra agradar a quem? A sociedade espera de nós muitas coisas, que sejamos amáveis e afáveis, educados e comprometidos, mas com Pat e Tiffany não. E gostei muito da cena na qual eles conversam, ele a chama de vadia (porque ela, em crise pela morte do marido, resolveu transar com todos do trabalho) e ela diz: sim já fui, isso é uma parte da minha vida e que eu aceito como todo o resto, e você, pode falar o mesmo sobre si? E eu não sei se eu tenho pensado muito sobre isso ultimamente, mas eu acho que a gente tem que aprender a se perdoar e esse não é um processo fácil.
Acho que quando começa a questão da música o filme toma outro rumo, mais leve, mas também mais previsível. Além de tudo e todos ainda tem Robert de Niro (que foi indicado ao Oscar) como pai de Pat, e "O lado" tem várias cenas divertidas e leves (eu achei divertido, uma moça ao meu lado o achou hilário, gargalhou em vários momentos). O Oscar é nesse domingo, dia 24, e "O lado" tem 8 indicações, inclusive todas as 4 de atores, de direção e de melhor filme. Vale muito a pena!
O lado bom da vida (Silver Linings Playbook, EUA, 2012) ****


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

51º - "Cisne Negro"


"What did you do?
I felt it."

Ontem eu revi, meio sem querer querendo, "Cisne Negro" que eu só tinha visto pelo cinema; é que, apesar do filme ser realmente incrível ele é tão impactante que não dá pra assistir a qualquer hora. Além disso, "Cisne" é feito pra incomodar, a gente sente a mesma dor de Nina e é envolvido em suas alucinações. O filme é puro delírio, é fantástico e, incrivelmente, eu gostei dele ainda mais quando o assisti pela segunda vez, certamente um dos meus preferidos. 
Em "Cisne" Aronofsky (diretor também de “Pi”, “Réquiem para um sonho” e “O lutador”)  escolheu falar sobre a dedicação, literalmente "se matando de tanto trabalhar" e escolheu certinho ao falar do universo do balé. Para ser bailarino é preciso uma dedicação militar, muito treino, muito esforço, muita entrega. Nina (Natalie Portman que merecidamente ganhou o Oscar por sua atuação) é escolhida logo no início do filme a primeira bailarina de uma companhia de balé novaiorquina após a aposentadoria de Beth MasIntyre (Winona Ryder), para interpretar os cisnes na peça "O Lago dos Cisnes".
Tudo bem pra Nina porque ela é uma profissional muito dedicada, versada nas técnicas, mas o que o diretor (Thomas Leroy, interpretado por Vincent Cassel) quer dela é paixão, é visceral, e ele tenta despertar nela sentimentos controversos, através do desprezo, da aceitação, da tensão sexual... A bailarina que deve interpretar “O Lago dos Cisnes” deve ser perfeita tanto na inocência e pureza do cisne branco, quanto na malícia e sensualidade do cisne negro; Nina é perfeita para o cisne branco, mas uma aparente rival, Lily, perfeita para o papel de cisne negro, e essa competição vai alucinar ainda mais Nina.
Afora isso Nina tem uma mãe super controladora e totalmente alucinada (Barbara Hershey, pasmem é a Lee do filme 'Hanna e suas irmãs' não dá pra acreditar!) que culpa a filha por suas frustrações, já que teve de largar o balé porque engravidou. Nina mora com a mãe e tem que enfrentar uma pressão enorme no trabalho (com o diretor e com o medo de ser substituída por não atender às suas expectativas) e outra também em casa e, claro, ela enlouquece nesse processo. Além disso, "Cisne" é feito pra incomodar, seja nas cenas nas quais Nina se fere, nos dedos, nas costas (fala a verdade aquela cena que ela vai puxando uma pele no dedo até chegar na mão, argh!!!) ou na sua casa, com a mãe sufocante, naquele quarto cheio de bichos de pelúcia, infantilizado, nas próprias atitudes de Nina, sua voz. 
Li que Aronofsky durante as filmagens procurou criar um clima ruim entre Natalie Portman e Mila Kunis (que vive Lily sua aparentemente rival) que são amigas na vida real, para que a rivalidade entre elas na tela fosse mais real, e acho que funciona, porque existe uma tensão grande entre as duas.
Aliás, "Cisne" me parece que tem muitos elementos de um terror (digo que parece porque é um gênero que eu não assisto, não consigo), nos desvarios e alucinações de Nina, nos espelhos que estão presentes em quase todo o filme, na figura do Cisne Negro. O filme é também repleto de duplos, seja o próprio Cisne Branco/Negro, além de Beth e Nina e Nina e Lily. 
O final é um êxtase, se tudo o que desejavam de Nina, em sua fragilidade emocional, era que ela se doasse, realmente sentisse, ela o fez da maneira mais visceral, sentiu tanto que se tornou o próprio Cisne Branco.
        Cisne Negro (Black Swan, EUA, 2011) ***** 

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

50º - "E sua mãe também"


Eu nem acho "E sua mãe também" tão bom quanto dizem por aí... O filme tem suas virtudes, melhora muito na parte final, mas no início é bem chato, desses que você assiste quase desistindo, quase trocando de canal, até engrenar. Isso porque a parte inicial dá uma ênfase grande em apresentar os protagonistas, e tanto Julio Zapata (!) (Gael García Bernal) quanto Tenoch (Diego Luna) são personagens chatos demais, desse tipo de adolescente que não tem nenhum valor, fuma maconha, bate punheta, pensa em mulher e só, é muito desinteressante para um filme, fica parecendo um desses besteirois americanos. Esses meninos, de uma família classe média, média-alta lá pelas tantas estão numa festa e conhecem Luisa (Maribel Verdú), não aquela que foi pro Canadá, mas esposa de um primo chato de Tenoch, espanhola e que chegou há pouco tempo no México. Os meninos, chatos que são, convidam Luisa - numa cena sem propósito - para ir à praia, inventando um lugar (Boca do Céu). Luisa, obviamente recusa, mas depois acaba descobrindo que está doente, que o marido a traiu novamente, e sozinha num país que não é o seu resolve viajar com os meninos.
Então "E sua mãe" fica interessante, se transforma num road movie e os meninos vão deixando de ser tão pelinhas; isso acontece porque na estrada as relações vão se estreitando, a convivência forçada de dias acaba causando um conhecimento maior entre os três. Luisa, que é bem mais velha que os dois adolescentes, parece se divertir com a viagem e com a imaturidade dos dois, e gosto da cena que ela estoura e diz: "vocês não me trouxeram nesta viagem pra transar comigo?", e agora, como fica? Daí os meninos vão ficando menos arrogantes e mais divertidos, até a cena final, ótima.
Mas o que eu mais gostei no filme nem é da história principal em si, mas da maneira como ela é apresentada; durante a viagem a história quase fica em segundo plano para exibir as paisagens do México e a situação política do país, com cenas de repressão de policiais e de pobreza da população. Gosto da maneira como as pessoas vão sendo apresentadas, quando mostra o pescador, sua esposa e filhos o narrador vai, ao fundo, apresentado a história da família no futuro, neste caso com uma crítica ao turismo, que vai chegar ao local, o pescador vai deixar de ser pescador, por conta de pressão de operadoras de turismo não vai conseguir - com seu barco - fazer visitas com turistas e acabará como faxineiro de um grande hotel.
"E sua mãe" também mostra como pessoas, que nem sempre ficam na nossa vida, às vezes passam por nós rapidamente, mas deixam uma lembrança forte na nossa história e identidade.
E sua mãe também (Y tu mamá también, México, 2001) ***


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

49º - "O homem do futuro"


Eu acho "O homem do futuro" um filme injustiçado, pouco falado e comentado; parece que foi lançado na mesma época que "O palhaço", que foi amplamente divulgado, comentado e - estou tentando entender até hoje - indicado como filme estrangeiro a concorrer ao Oscar (não ganhou, claro). E justamente o que eu gosto de "O homem" é que ele não é pretensioso, é um filme bacana pra divertir... e aí que mal tem? Um filme não precisa, necessariamente, ser cabeça, cult ou te botar pra pensar, ele pode servir apenas como entretenimento, tudo bem, não precisa se apavorar nem fingir que isso não é bacana, aliás não tem coisa mais chata que gente do tipo "me beija que eu sou cineasta", as pessoas mais interessantes que eu já vi ou ouvi falando sobre cinema não perdiam tempo apenas tentando mostrar o lado B, mas enxergam beleza nos diferentes gêneros, assim como suas limitações. "O homem" é uma comédia romântica, e quando você começa a assistir tem uma nítida impressão de algo repetido, e tudo bem que usa uma fórmula bem americanizada, com elementos típicos da cultura norte-americana, como rainha do baile e o próprio baile, mas o filme não é só isso, ele parte disso. 
Algumas pessoas podem lembrar de "De volta para o futuro", mas eu lembrei de outros, como o primeiro "Efeito borboleta" e o ótimo "Corra Lola corra", porque o filme vai além do fato de poder voltar ao passado, mas aborda o fato de que algumas decisões na nossa vida refletem diretamente no nosso - e também de outros - futuro. Se você pudesse voltar ao passado o que mudaria na sua vida? Valeria a pena?
"O homem" conta a história de João (Zero) e Helena, e um acontecimento fatal num festa que aconteceu 20 anos atrás, enquanto ambos estavam na faculdade. João, que é físico e pretende desenvolver uma nova forma de energia na verdade acaba criando uma máquina do tempo, que volta exatamente no dia da festa. Ele, que foi humilhado e seguiu com sua amargura durante a vida vai fazer de tudo para poder reverter o passado, mudando suas atitudes e escolhas. Só que, claro, não dá certo, João tem que voltar novamente e descobre que na vida todos têm sua dose de sofrimento, que infeliz é aquele que acha que seu sofrimento é o maior do mundo. Nessa João dá a lição de moral do filme, chegando à conclusão que se a máquina existisse estaria concentrada nas mãos de ricos e poderosos que a usariam indevidamente; que se a vida fosse uma busca pelo passado para mudar o presente não haveria, então, o futuro.
Por mais que pareça, eu devo admitir, o filme não é todo clichê. Eu tenho que destacar algo vital nele, que é o Vagner Moura, ele é demais, sou fã mesmo, super ator, desses que a gente muitas vezes não reconhece de um papel para outro de tão diferente nos personagens e também está incrível em "O homem" além de estar divertidíssimo. Assim como Meryl, que eu também sou fã, Vagner Moura mostra, neste filme, que um bom ator não precisa se dedicar apenas a papéis conceituais, que muitas vezes o desafio pode estar em fazer uma comédia romântica, em fazer um papel cuja performance é muito conhecida e até esperada pelo público. 
Além disso, como é de se esperar no gênero, "O homem do futuro" tem um final ótimo e até mesmo surpreendente. Cuidadoso, o filme merece ser visto num dia relax, que você só queria se divertir sem culpa.
O homem do futuro (Brasil, 2011) ****

domingo, 17 de fevereiro de 2013

48° - "Um divã para dois"

Eu não sei se ontem estava de TPM, ou foi mesmo depressão de domingo fim de recesso, mas eu me emocionei bastante vendo "Um divã para dois". Tudo bem que o filme não é nenhuma obra-prima, e tem um enredo um tanto previsível, mas é um filme honesto, divertido e encantador. Já pela capa e a carinha da Meryl Streep a gente adivinha - sem muito esforço - que se trata de uma comédia romântica, mas não sei, ela não é assim tão óbvia; é claro que muito desse sentimento tem a ver com o elenco que é de primeira, tem o Tommy Lee Jones (que eu lembrei de MIB nos primeiros 5 minutos, mas depois passou) e Meryl “Diva” Streep, ela é mesmo incrível, pense em outros dois filmes que são na mesma linha de "Um divã": "O diabo veste Prada" e outro, ainda mais próximo, "Simplesmente complicado" e são filmes com atuações totalmente diferentes, neste filme Meryl faz um tipo dona de casa norte-americana, as roupas, o cabelo, os trejeitos, o jeito de andar, de falar e de se calar, porque sua personagem Kay é um tipo "Amélia que era mulher de verdade" em extinção (graças a Deus pra nós).
Dá uma peninha dela, em ver seu esforço de manter o relacionamento tão sofrido, mas também é uma alegria ver sua reviravolta. Por mais que a sinopse não tenha nada de extraordinário - um casal com 31 anos de casamento caiu na rotina e ela resolve viajar e passar uma semana numa cidadezinha para fazer uma terapia intensiva de casal e tentar reavivar seu casamento - existe algo de bacana no filme: por mais submissa que Kay seja ela não quer viver num casamento sem sexo, num casamento sem toque, sem tensão sexual ou algo do tipo, não quer virar roommate, ou pior, mãe, o que acontece com muitas mulheres depois de tantos anos de casamento.
E "Um divã" lida de uma maneira muito gentil e franca a questão do sexo e do amor, Kay apesar de todo conjunto housewife quer se sentir desejada e está disposta a colocar fim no casamento mesmo sabendo que há carinho por parte do marido. E eu gostei também da história de que por mais que a terapia fosse importante ela é apenas um gatilho, não resolveu por si só um problema de anos em uma semana (o que é fácil de ver nos filmes). Eu li também que a trilha sonora é exagerada, mas não, eu gostei bastante das músicas que são aquelas bem clichês pra namorar, sabe?! Gosto também da mensagem, que todo casamento longo, por melhor que seja, passa por momentos - muitas vezes longos - de provação. E apesar de seu ritmo mais lento, incomum até para as comédias românticas, eu achei o filme surpreendentemente realista, não na dureza de "Amor", mas com um pouco mais de leveza e esperança.
Um divã para dois (Hope Springs, EUA, 2012) *** 

sábado, 16 de fevereiro de 2013

47º - "Hannah e suas irmãs"


João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém... "Hannah e suas irmãs" é assim, uma quadrilha como a de Drummond. Woody Allen quer mesmo mostrar como o nosso "coração é um músculo muito elástico", como Mickey, seu personagem, fala no final do filme. Centrado nas complexidades do ser humano e nas suas relações, é provável que "Hannah" concentre uma grande síntese do trabalho de Allen.

Passado, claro, em Manhattan e com vários takes em pontos centrais como o Central Park, o filme conta a história de Hannah (Mia Farrow) e sua família, em especial suas irmãs, Lee (Barbara Hershey) e Holly (Dianne Wiest). O marido de Hannah (Elliot) está apaixonado por Lee e o ex-marido de Hannah (Mickey) se casa com Holly. Nessa miscelânea de sentimentos e relacionamentos o que está em jogo é a beleza da imperfeição humana, tanto é que a personagem mais criticada é a própria Hannah, porque se anula para fazer feliz os que estão à sua volta, criando uma imagem de pessoa perfeita, e aparentemente é: Hannah é boa filha, boa irmã, boa mãe, boa ex-mulher, boa atriz, bem sucedida, mas por isso mesmo, desinteressante; as irmãs, ao contrário: Lee é a irmã mais nova, ex-alcoólatra, perdida em sua vida profissional e que tem um namorado que a controla; Holly também é perdida na vida, tentou ser atriz, dona de buffet, usava cocaína. Na revoltante perfeição de Hannah, está a grande sacada do filme, precisamos conviver com pessoas imperfeitas como nós, precisamos de certo conforto de sermos necessários, o marido de Hannah diz a ela "é difícil estar com alguém que dá tanto e não quer nada".

Apresentado em várias narrações - em diferentes momentos é um personagem que narra um pedaço de sua história e seus sentimentos - o filme apresenta as situações que as irmãs estão vivendo, lidando com suas frustrações e seus desejos. Mickey (Woody) que casa mais ao final do filme com Holly é um personagem cuja história é contata em paralelo com as outras, é um personagem cômico, muito divertido, no melhor jeito Woody Allen de ser (que eu amo, mas convenhamos, não é bom ator, está sempre fazendo ele mesmo), trabalha na TV com algo que não gosta e é hipocondríaco e histérico. Quando descobre a possibilidade de estar realmente doente começa a questionar a existência de Deus, o que rende cenas divertidíssimas, como ele falando aos pais que irá se converter ao catolicismo (já que ele acha uma religião forte e estruturada e tem afinidade, mas com "a ala anticatecismo, pró-aborto e antinuclear"), a mãe judia sai correndo se tranca no quarto chorando... Depois ainda procura os hare krishna, mas ao final, depois de quase se matar porque não conseguia entender o real motivo da vida, se há continuação ou se Deus existe, ele encontra sua resposta no cinema (ah!) quando se pergunta: e se Deus realmente não existir? E se nós só vivemos uma vez? E se convence de que o importante mesmo é ter a experiência de viver.
É divertido perceber, um filme de 1986, as diferenças nos figurinos (que já não são o forte dos filmes de Woody) e nos penteados. Creio que foi o segundo filme (atrás de “Noivo neurótico, noiva nervosa”) com mais indicações e prêmios Oscar de Allen, que nunca compareceu à cerimônia quando foi indicado, indo apenas em 2002, para fazer uma homenagem à NY após o atentado de 11 de setembro.
Como só mesmo Woody sabe fazer, “Hannah” mostra a delicadeza que são as relações humanas e como a vida é surpreendente e encantadora.
Hannah e suas irmãs (Hannah and her sisters, EUA, 1986) *****
“Seu olhar mais fugaz
Facilmente me revela
Embora eu já tenha
Me fechado, com o dedos
Você sempre me abre
Pétala por pétala
Como a primavera abre
Tocando habilmente
Misteriosamente
Sua primeira rosa
Não sei o que você tem
Que me abre e me fecha
Somente algo
Em mim entende
Que a voz de seus olhos
É mais profunda
Do que todas as rosas
Ninguém
Nem mesmo a chuva
Tem mãos tão pequenas”
(Somewhere I have never travelled, gladly beyond, E.E. Cummings)