quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

31° - " O Sol é para todos"


Depois de ver dois filmes sobre Truman Capote eu fiquei com muita vontade de ver outros filmes que são citados. Sendo assim, ontem eu tive a oportunidade de ver "O Sol é para todos" baseado no livro famoso e premiado de Harper Lee, amiga de Capote, que em "Capote" aparece, mas no início eu até achei que fosse sua empresária, mas em "Confidencial" é interpretada por Sandra Bullock e tem um papel com maior destaque. Ambas são ótimas, mas a Harper de Bullock é uma graça, afetuosa e inteligente, não é fútil como as outras amigas de Truman e fica claro que eles têm uma amizade duradoura, de muitos anos. Em "Capote", há a cena do lançamento de "O Sol é para todos", inclusive é uma cena na qual o Truman de Philip Seymour Hoffman já está abatido e dramático, e foi esse filme que aparece no lançamento que eu tive a oportunidade de ver.
"O Sol", vencedor do Oscar, é de 1962, é preto e branco, e como de costume para filmes antigos é longo, eu não sei se é nossa cultura "fast-food", mas é perceptível que algo ligado ao time (vou chamar assim por falta de conhecimento de algum termo técnico) do filme mudou muito, por mais que o filme nem seja tão longo assim (são 2 horas e 10 minutos) eu cortaria facilmente uma meia hora. A primeira hora do filme é meio arrastada, procurando mostrar a relação das crianças numa cidade que é também sem atrativos (como a própria narradora fala no início).
Mas vamos à sinopse: aqui também há outro engano, na capa do filme e até na internet a sinopse é sobre um negro que foi condenado injustamente por estuprar uma branca e Atticus Finch (Gregory Peck) é o único advogado disposto a ajudá-lo. Lendo isso a impressão que dá é que "O Sol" é um daqueles filmes de tribunais no qual há um sofrimento e angústia e depois o júbilo pela vitória, certo? Não, errado. É claro que há toda essa história do preconceito horroroso de uma cidadezinha do sul dos EUA nos anos 1930, mas essa história é triste, é injusta, ver ser condenado um homem apenas por ser negro (não há provas nenhuma, apenas uma palavra contra outra) é de doer o coração. 
Acontece que "O Sol" está mais focado nas crianças do que na história do julgamento em si. O filme mostra a vida de Jem e Spout, filhos de Atticus, além de seu amigo Dill (parece que ele foi inspirado em Truman) e como as crianças se relacionam na cidade, com seu vizinho aparentemente maluco, com a história de injustiça, entre eles, com seu pai. Aliás, que pai, viu?! Quem não gostaria de ter um pai como Atticus (Gregory Peck inclusive ganhou o Oscar por sua atuação), um homem honesto, reto (gostei na cena, ao final do julgamento, no qual todos os negros - que estavam segregados, isolados na parte de cima do tribunal - se levantam e Atticus é incapaz de olhar, de se vangloriar), pai solteiro e ao mesmo tempo afetuoso, amoroso e carinhoso com os filhos.
E é interessante perceber a relação dos filhos com a situação empregada, as crianças não são racistas (mais uma vez lembro da cena do tribunal, onde os negros, separados dos brancos que sentam em local privilegiado, e os únicos brancos são as crianças), seja pelo exemplo do pai, seja simplesmente porque o racismo, como qualquer tipo de preconceito, é algo cultural, que é aprendido, não é nato. E o filme é bonito porque mostra essas delicadezas típicas das relações humanas.  
Eu gosto também do título em português “O Sol é para todos”, acho que a ideia é boa, apesar de tão diferente do título em inglês (To kill a Mockingbird). Entretanto, apesar de bacana, em vários momentos do filme eu fiquei com vontade mesmo é de ler o livro, e pela importância histórica do filme e do livro na descrição de um momento histórico tão delicado, é o filme que eu indico hoje.
O Sol é para todos (To kill a Mockingbird, EUA, 1962) ***

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

30° - "Confidencial"


Nossa, e agora? Será que eu fiz bem em assistir a "Confidencial" logo em seguida de "Capote"? Eu fiquei pensando que "Confidencial" estaria em desvantagem, posto que eu já conhecia a história e é inevitável - já que os filmes têm a mesma sinopse - compará-los. Mas, assim, pensando melhor acho que eu tive uma sensação próxima da que teve o público que acompanhou os filmes quando foram lançados, ambos foram produzidos na mesma época, mas os produtores de "Confidencial" resolveram lançá-lo um ano depois e por mais que sejam filmes muito distintos é bem provável que seja essa uma das razões para a arrecadação pífia de "Confidencial" perto de "Capote", sei lá, as pessoas não quiseram conferir a mesma história. Mas elas perderam, pois o filme é sensacional, aliás os dois são fantásticos. 
Eu tinha a nítida impressão que escolheria um, e meu coraçãozinho apontava para "Confidencial", mas nada disso, os dois são ótimos, e são diferentes apesar de contar a mesma história, e isso é maravilhoso. Quando temos uma oportunidade como esta percebemos que: 1) não devemos acreditar tanto em filmes baseados em histórias reais, pois são, como está claro na frase, baseados, o que quer dizer que há grande dose de "licença poética" e 2) a beleza de poder enxergar a lindeza que é o cinema, que cada produtor/roteirista/diretor/ator vai apresentar uma história da sua maneira de ver aquilo e essa pessoalidade e humanidade é algo bonito de ver e que passa despercebido quando vemos filmes, não é mesmo? A não ser que você tenha essa experiência que estou descrevendo, de ver dois filmes com a mesma sinopse, mas que optam por caminhos bem diferentes e que por isso deixam a gente, no final das contas, com a impressão que não dá conta de compreender a personalidade e o episódio que foi Truman Capote.

Eu realmente achei que tomaria partido de um filme baseada na minha experiência com "Jornada da Alma" e "Um Método Perigoso", que apesar de mostrar pontos de vista diferentes (em "Jornada" o filme é centrado na Sabina e em "Método" em Jung), pra mim "Jornada" é muito melhor, em vários sentidos. Mas em "Confidencial" e "Capote" não, eles conseguiram fazer escolhas distintas e todas boas. Enquanto "Capote" é um drama, em certas cenas pesado e angustiante, "Confidencial" escolhe matizar o drama (que também existe, claro) com tons mais leves, entrelaçando a história da escrita de "A Sangue Frio" com cenas até fúteis de Truman Capote com as amigas de alta classe novaiorquina. Os Trumans dos filmes também são iguais mas diferentes, o de Phillip Seymour Hoffmann é um estilo mais intelectual e sofrido, o de Toby Jones é mais descontraído,  brincalhão e fútil (além de super fofoqueiro), mas ambos levam as características únicas de Capote, sua voz, seu estilo, seus trejeitos e o fazem de maneira magistral. 
Outra coisa bem interessante são as nuances que os filmes desenvolvem, enquanto que "Capote" desenvolve uma relação tensa entre Truman e Perry, que termina em drama para Capote, porque além do envolvimento com o livro e Perry ao final ele já desejava sua morte e este desejo transformou-se em angústia alucinante para Truman; em "Confidencial" Truman e Perry se relacionam, amorosamente, e a morte de Perry é também sofrimento e perda para Truman.
"Confidencial" ainda tem escolhas certas, entremeia a narrativa com falas das personagens (baseadas em pessoas reais) como se o filme fosse um documentário sobre Truman Capote, mas isso é feito em pinceladas, não torna o filme um pseudo-documentário (como Zelig). Além disso eu gostei bastante da edição, na qual vários assuntos são abordados por vários personagens, um começa contando e vai cortando para outras cenas, com outras pessoas (parecendo às vezes uma grande rede de fofoca, mas o efeito é muito bacana).
Li num site que "Confidencial" foi produzido por um estúdio independente (ta lá, no início, Warner Independent Pictures) enquanto “Capote” foi produzido pela Sony. Mas os outros números eu não consigo entender, enquanto “Capote” foi produzido por 7 milhões de dólares, "Confidencial" teve o orçamento de 13 milhões, e "Confidencial" tem em seu elenco muitos mais atores conhecidos do grande público. Por outro lado, enquanto que “Capote” arrecadou 4 vezes seu valor, "Confidencial" não conseguiu nem um terço (as informações estão aqui). Eu não entendo como isso acontece, como a indústria do cinema funciona, mas acho realmente uma pena – em termos de número - "Confidencial" ficar tão atrás de “Capote”, porque em termos de cinema, ambos são um deleite.
Confidencial (Infamous, EUA, 2006) ****

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

29° - "Capote"


Eu me lembro de "Capote" estar na minha lista de “filmes a serem vistos” há alguns anos, inclusive eu me lembro de já ter pegado e devolvido à locadora sem assistir, e eu me pergunto, por quê? Acho que, no meu inconsciente, por tantas vezes entrar nas lojas Americanas e ver a quantidade de filmes "Capote" para vender, ficou na minha cabeça "o filme é ruim, é cansativo". Enfim, inconsciências a parte, é uma pena que eu tenha demorado tanto tempo para ver, embora talvez, na época na qual o filme figurava na minha lista de filmes a conferir eu não tivesse dado muita atenção a ele. É que eu penso, e já tive a oportunidade de dizer aqui, que assistir a filmes é sempre uma experiência individual, que dependendo do seu dia, da sua maturidade, do seu humor, o filme vai chegar à você de uma maneira. E isso é interessante pra caramba, até para pensar que, se você assistir pela segunda vez um filme visto há tempos você pode ter uma outra experiência, negativa ou positiva.
Ver "Capote" é uma experiência de sensibilidade, grande parte graças a atuação de Philop Seymour Hoffman, ele está incrível, não só nos jeitos e trejeitos de Truman Capote (e confesso minha ignorância, eu não conhecia sua importância na literatura até ver o filme e pesquisar sobre ele), mas na delicadeza que ele passa do Capote brincalhão, orgulhoso (até um pouco arrogante), empolgado e esperançoso para outro Capote sofrido, desiludido, até culpado. Essa passagem é bem sutil no filme que mostra parte importante da vida de Capote. O filme, que é biográfico, fala de parte da vida de Capote: começa quando ele lê no jornal sobre um assassinato de 4 integrantes de uma família numa cidadezinha no Kansas. Ele então resolve ir à cidade investigar e escrever uma reportagem sobre o caso. Acontece que lá ele entende que tem material suficiente para um livro, não apenas uma reportagem, principalmente depois que conhece os 2 assassinos, em especial Perry Smith (Clifton Collins Jr.). Inicialmente Capote vê a oportunidade de escrever o livro como um desafio, já que acredita que ele revolucionará a literatura, e o escritor quer defender a ideia que nas mãos do escritor certo uma história verídica pode ser tão interessante quanto a de ficção. 
O filme deixa claro que o livro produzido por Capote "A Sangue Frio" que também virou filme, é o grande sucesso do autor e teve muita repercussão. Acontece que o envolvimento do escritor para a escrita (que durou cerca de 5 anos) e principalmente com Perry é perturbador para Capote. Quais os limites éticos para um trabalho investigativo? O que vale fazer para se obter uma informação? Um assassino a sangue frio merece consideração? Merece esperança? A esperança oferecida por Capote foi motivada por algum tipo de afeto ou apenas circunstancial? O próprio Capote não consegue compreender, principalmente depois que Perry finalmente descreve a noite do crime, e vive então atormentado em seus conflitos de interesse e na (des)humanidade de seus atos.
O namorado de Capote, a certa altura do filme fala: "só tenha cuidado com o que faz para conseguir o que quer" e creio se essa a grande questão, quais são os limites e principalmente os nossos limites, pois depois que os atravessamos é provável que o fardo a carregar seja muito pesado.
O filme é dramático neste final, mas ainda assim é sensacional. Junto com "Capote" eu peguei "Confidencial", filme lançado um ano depois e com a mesma sinopse (?). Contudo minhas impressões sobre "Confissões" eu vou deixar para amanhã.
Capote (Capote, EUA, Canadá, 2005) ****

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

28° - "Veludo Azul"


David Lynch não é pra qualquer um (e sinceramente nem sempre é pra mim), não quero dizer com isso que quem gosta dele é cult e quem não gosta inferior porque não gosta de cinema e aquele blábláblá alternativo clichê. É só que ele é polêmico, não faz aquele filme redondinho e por isso nem sempre agrada a todos. Dificilmente quem está acostumada a um único tipo de filme, reto, com início meio e fim, vai ter dificuldade para se acostumar com seu cinema. 
Mas ainda assim eu o recomendo, acho que todos devem assistir, odiar ou amar, mas perceber a diversidade que o cinema nos apresenta, as maravilhas de ver que cada diretor pode nos mostrar sua maneira de enxergar o mundo, ou simplesmente uma história. Diga aí, você vai ficar a vida toda vendo tudo da mesma maneira? Falo não só pelo cinema, mas pela vida e eu sempre vou optar por ser uma metamorfose ambulante.
Sendo assim "Veludo Azul" é um filme psicodélico, no qual Lynch opta por mostrar um viés do ser humano difícil de encarar, mas tirando isso o filme até que é caretinha, com início, meio e fim (o que pra mim já é lucro, estou cansada de ver filme sem final...) e é muito mais tranquilo de ver que "Cidade dos Sonhos", este sim alucinação purinha.
E o que Lynch nos propõe a perceber em "Veludo" é que nem sempre o que parece é, a cena inicial, linda, mostrando flores belas, um cachorro bonito, as pessoas indo trabalhar e estudar funcionando em total harmonia e, de repente, quando a câmera resolve ir mais fundo, ela nos mostra uma cena meio nojenta de vários insetos embaixo da grama, numa ideia de que de perto ninguém é normal, de que as aparências enganam e que sempre há sujeira embaixo do tapete. Saber disso é libertador, que não há controle e perfeição, entretanto o filme vai bruscamente para o outro lado da força, rs, mostrando a podridão enlouquecedora de pessoas e lugares.
Vamos à sinopse: após visitar no hospital seu pai que sofreu um derrame, Jeffrey Beaumont (Kyle MacLachlan, o primeiro marido da Charlotte em Sex and the City), no caminho, encontra uma orelha humana e a entrega a um policial que é também seu vizinho. Mais tarde ele encontra a filha deste policial (Sandy, interpretada por Laura Dern) que lhe dá detalhes do caso, cita o nome de Dorothy (Isabella Rossellini) e diz ser ela o elo do caso. Jeffrey decide então investigar o caso sozinho se envolvendo com Sandy e Dorothy e conhecendo Frank (Dennis Hopper) um traficante muito mal e muito doido. Porém Jeffrey com toda sua juventude, inocência e paixão tenta solucionar o caso e ajuda Dorothy (cujos marido e filho estão sequestrado por Frank).
A sinopse descreve o filme com o suspense que ele tem, mas há cenas insanas, violência e comportamentos doentios. A cena que Frank estupra Dorothy (ela não resiste, pois ele sequestrou sua família) é surreal, acho que a cena mais alucinante que eu já vi.
Além de mostrar a falácia de uma cidade que aparenta ser perfeita (li que o objetivo de Lynch é uma crítica à sociedade americana), ainda há as tonalidades de azul que aparecem, no início o azul claro do céu, para os azuis mais escuros em cenas obscuras. E também tem Isabella Rossellini, numa tristeza misturada com doidera de dar dó, e neste blue que mistura cores e tristeza que o filme cumpre seu papel.
Veludo Azul (Blue Velvet, EUA, 1986) ***

domingo, 27 de janeiro de 2013

27° - "Saneamento Básico, o filme"


Existe uma imagem que anda circulando no facebook sobre o prefeito de Petrópolis, que este ano cancelou o carnaval da cidade para investir o dinheiro em obras da saúde, sua atitude está tendo muito retorno e visibilidade e eu pensei um pouco na nossa descrença com o poder público. A Copa e as Olimpíadas que acontecerão no país andam reforçando muito este sentimento, porque são e serão investidos milhões em infraestrutura para esses megaeventos - em obras que provavelmente serão super faturadas e que não serão utilizadas posteriormente - em detrimento de questões básicas que um país, no nível de arrecadação que é o nosso, deveria nos prover, uma educação e acesso à saúde decentes, lazer e infraestrutura, enfim, é desconcertante... Mas o filme "Saneamento Básico" conseguiu falar deste tema de forma irônica e divertida, o filme é muito bom. Tudo bem que tem o Wagner Moura e a Fernanda Torres, e só aí o filme já tem grandes chances de segurar nossos coraçõezinhos, e eles são responsáveis por excelentes cenas, eles são e estão fantásticos!! 
"Saneamento" conta a história de uma comunidade, Cristal, localizada na Serra Gaúcha, que não possui tratamento de esgoto. A comunidade se reúne, e tenta de todas as formas sensibilizar o poder público local e do entorno sobre a necessidade da obra. A resposta é comum aos ouvidos: a obra é importante, mas não há verba para realizá-la. Entretanto a prefeitura dispõe de R$ 10.000,00  para produção de um filme, dinheiro que será devolvido se não for utilizado. Assim, os moradores resolvem produzir este filme e pegar o dinheiro para, enfim, realizar a obra.
Como o roteiro precisa ser de ficção eles resolvem contar a história de um monstro que se desenvolveu no esgoto, saída bem criativa. Só que eles não entendem nada de cinema, produção, roteiro, atuação, o que transforma o filme numa homenagem ao cinema muito divertida.

Saneamento Básico, o filme (Brasil, 2007) ****

Hoje é um dia triste na nossa história, 233 pessoas (até agora) morreram e mais de 100 ficaram feridas num incêndio que aconteceu numa casa noturna em Santa Maria, RS. De acordo com os relatos que vi e ouvi na TV, o espaço, que no sábado tinha cerca de mil pessoas, era um local fechado com uma única saída. Não tem jeito de não ficar chocado com o tamanho do acontecimento. É o segundo maior incêndio da história do nosso país, atrás do incêndio do circo Gran Circus Norte-Americano de Niterói, de onde nasceu, após o incidente, o Profeta Gentileza...
É difícil ver um estrago desse tamanho e não relacionar com a incompetência do poder público, como assim um local com essa infraestrutura tem alvará de funcionamento, e se estiver vencido como assim ele está aberto, funcionando? Para milhares de pessoas? Com certeza existe uma incredulidade com relação à punição dos responsáveis, quem vai responder por isso?

sábado, 26 de janeiro de 2013

26° - "Festim Diabólico"


Estava hoje num dia meio deprê e resolvi ver "Festim Diabólico" do Hitchcock, o que melhorou totalmente meu astral, o filme é incrível e tem várias referências. Enquanto eu via lembrei de "Deus da Carnificina" (2011) porque é também um filme cujo cenário todo se desenvolve dentro de um apartamento; "O Sonho de Cassandra" (Woody Allen, 2007), até "A Onda" (2008) e sabe-se lá quantos filmes mais podem ter se inspirado nesta película de 1948 e que fogem ao meu humilde conhecimento.
A história que se desenrola toda no apartamento de Brandon é sobre dois amigos (Brandon e Philip) que resolvem cometer o que consideram um crime perfeito; então matam o amigo David e escondem seu corpo num baú da sala de estar do apartamento. Acontece que o plano é um pouco mais elaborado, Brandon e sua psicopatia e complexo de Deus, resolve fazer uma festa, convidando os pais, namorada e amigos de David e usando o baú como aparador para a festa (apoio para os pratos e comida). Pronto, cenário perfeito para bastante suspense, isso porque apesar de Brandon ser um psicopata - ele não tem nenhum sentimento de culpa e nenhuma empatia por ninguém a não ser por ele - Philip, que aparentemente é um cara fraco e foi induzido por Brandon, sente um remorso arrebatador após o assassinato e por isso dá pistas de que algo não vai bem durante a festa. 
Neste jogo de comportamentos, Hitchcock traça um filme tenso, tanto na movimentação da câmera (o que ela quer mostrar ou não, aumentando o suspense) quanto nos diálogos; e com isso constrói personagens densos. A ideia de que Brandon utiliza dos discursos de Rupert para justificar seu ato lembra (inclusive no filme) Hitler e Nietzsche. E nas possibilidades de interpretação que cada um tem, vale a pena pensar antes de dizer e panfletar (“A Onda”). Eu não acredito muito no que as pessoas adoram dizer: “eu sou responsável pelo que eu falo, não pelo que você entende”, essa frase me parece meio condescendente. É claro que somos responsáveis pelo que e como falamos. Obviamente que uma mente leviana – como a de Brandon – pode enxergar o que quiser e da forma que quiser. Para Brandon existe algumas pessoas com superioridade intelectual e cultural que estão acima dos conceitos morais, sendo que os conceitos de bem e mal, certo e errado foram inventados para o homem comum, o homem inferior. Ora essa, quantas vezes vemos esse discurso reproduzido em nossa volta, seja nas ditaduras, nos preconceitos, nos discursos de superioridade...
O filme, cujo nome em português é muito melhor do que o original (coisa rara), ainda tem um final arrebatador, mais ou menos assim:
“Brandon, até este exato momento, este mundo e as pessoas que nele vivem sempre foram obscuras e incompreensíveis para mim. Tentei iluminar meu caminho com a lógica e o intelecto superior. E jogou minhas palavras na minha cara. Era seu direito. Um homem deve cumprir o que diz. Mas deu às minhas palavras um significado que jamais imaginei e tentou distorcê-las numa desculpa cruel e lógica para seu assassinato horroroso. Nunca foram assim, Brandon. E não pode torná-las assim. Deve haver algo no seu íntimo, desde o início, que permitiu que fizesse isso. Mas há algo dentro de mim que jamais me permitiria fazê-lo e nunca me deixaria fazer parte disto. Esta noite fez-me envergonhar dos conceitos que sempre tive dos seres superiores ou inferiores. E lhe agradeço por essa vergonha” Rupert.
Festim Diabólico (Rope, EUA, 1948) ****

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

25° - "Conduzindo Miss Daisy"


Ontem eu vi pela primeira vez "Conduzindo Miss Daisy" e, assim, é um filme bacana. Ganhador de 3 Oscars - incluindo melhor filme - penso que, em 1989 quando ele foi lançado, realmente deveria ser uma inovação tratar de um tema cabeludo que é a discriminação e segregação racial nos anos 40-50 nos EUA e é tocante ver as cenas que tratam deste ponto, como a de Hoke precisando ir ao banheiro e tendo que parar na estrada, pois por ser negro não pode usar o banheiro do posto de gasolina. E é então um filme delicado sobre amizade e relações humanas. Acontece que eu vi recentemente "Histórias Cruzadas" e poxa, esse sim é um filme pedrada sobre o racismo, filme lindo que eu quero comentar em breve.
Acho que o que me incomodou mesmo é que Miss Daisy (Jessica Tandy) é uma senhorinha muito, muito difícil e eu achei que ela ia baixar a guarda no decorrer do filme. Tudo bem que há uma cena linda na qual ela fala para Hoke (Morgan Freeman) que ele é seu melhor amigo, mas eu fiquei com a impressão de que ele só é seu melhor amigo porque é o único. Ela é muito difícil, e apesar de se dizer não preconceituosa, fica claro que ela se sente superior, humpf!
Mas o filme tem seus méritos, tem a linda atuação de Jessica Tandy e Morgan Freeman, eles estão fantásticos. E a história - que é sobre uma senhora independente que não consegue mais dirigir, mas tem que aceitar a presença do motorista contratado pelo filho - tem a passagem do tempo de uma das maneiras mais bonitas que eu vi no cinema, geralmente de forma sutil, em pequenos detalhes (como quando Daisy entrega a Hoke um livro e ele lê o título com naturalidade, o que pressupõe que ela o ensinou a ler). E tem cenas bem-humoradas, quando Miss Daisy está injuriada de ter que passar o natal na casa do filho e da nora, que não poupa na decoração de natal, e Daisy dá a Hoke um presente, mas que não é de natal, pois ela é judia!
Eu fiquei muito sensibilizada com o papel de Freeman, o personagem Hoke, um senhor bem-humorado e gentil, e acho que por isso eu acreditei que ele merecia um pouco mais de carinho. De qualquer modo, sei que tenho que relativizar e pensar que, em 1948, a amizade de uma branca com um negro era algo impensado. Horrível saber que foi verdade, não?!
E acho também que o final do filme é incrível, que a quantidade de significados que tem na cena final vale mais do que as palavras e é pensando nesta cena que percebi como o filme se articulou de maneira delicada, mostrando o desenvolvimento desta relação, e esta sutileza toda durante um filme que trata de temas tão complicados é o que me faz indicá-lo hoje. 

"A História terá de registrar que a maior tragédia deste período de transição social não foram as palavras ácidas e as ações violentas das pessoas más, mas o assombroso silêncio e indiferença das pessoas boas" (Martin Luther King)
Conduzindo Miss Daisy (Driving Miss Daisy, EUA, 1989) ***

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

24° - "As Bicicletas de Belleville"


"As Bicicletas de Belleville" é pura psicodelia. Não o assista procurando por lógica, enredos lineares, diálogos, formas e desenhos convencionais; nele tudo é diferente e por isso tão interessante. Não é um filme convencional, os desenhos desta animação não são proporcionais e nem retratam pessoas bonitas, mas ao mesmo tempo é tudo lindo, é tudo poético. 
Narra a história de um garoto que perdeu os pais quando criança, é criado pela avó que tenta tirá-lo da tristeza de qualquer forma, ela tenta o piano, tenta um cachorro (Bruno), tenta um trenzinho, até que finalmente descobre que a única paixão do menino é por bicicletas. Ele cresce, sua avó continua o estimulando, treinando com ele, e no dia que ele participa do Tour de France é capturado e enviado à Belleville (há uma referência à estátua da liberdade lá) junto com outros 2 ciclistas, para servir clandestinamente como competidores numa corrida de bicicleta numa espécie de Tour de France caseiro, com mafiosos como apostadores, quase uma rinha de galos. Mas esqueça o menino, sua paixão é mesmo por pedalar, ele é apático no filme, passa despercebido. Os protagonistas aqui são a avó do menino (ela e linda!) e Bruno (o cachorro), eles vão pedalando (!) num pedalinho atrás do navio que carrega os sequestrados e passam bons bocados em Belleville para conseguir resgatar o garoto. Três senhoras (que são músicas, já foram famosas no passado), dão abrigo e comida e ainda a ajudam a resgatar o neto. São 4 senhorinhas e um cachorro contra a máfia francesa, (são as bicicletas contra os carros) e os primeiros saem vitoriosos.
Então assim, um filme que coloca 4 senhoras como heroínas merece meu apreço, não é verdade? O filme me parece uma ode aos avós, eu tenho a sorte de ter dois (um avô e uma avó casados há mais de 50 anos) e é uma delícia ser neta e receber o amor e carinho de um vô ou uma vó, sou muito grata a eles e tenho muito amor também. E a avó do filme é uma lindeza, ela vive para deixar seu neto feliz (aliás no filme fica claro que ele vive graças a ela), ela acredita piamente em seus sonhos e nele.
O filme usa como fundo o crescimento urbano desordenado e critica as grandes cidades que marginalizam os pobres (o lugar onde as senhoras trigêmeas, que já foram famosas, mora é horrível e elas comem rãs a todo momento, no almoço e sobremesa) centraliza os ricos, ainda mostra as construções irregulares, crescimento desmedido, poluição visual e sonora. O diretor associa este modo de vida à obesidade, no cachorro e até na estátua da liberdade de Belleville que é obesa e segura um sorvete, o que achei desnecessário.
É uma animação diferente, no visual, na audição, nas formas, nas personagens e por isso é minha indicação de hoje!
As Bicicletas de Belleville (Les Triplettes de Belleville, Reino Unido, Letônia, França, Bélgica, Canadá, 2002) ***

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

23° - "Desconstruindo Harry"


Na hora que eu li a sinopse de "Morangos Silvestres" eu tive uma nítida sensação de dejà vu. Depois me lembrei que era um filme do Woody, mas demorei pra saber que era o "Desconstruindo Harry" (que, acredite se puder, eu jurava que não tinha visto ainda, affe). Bergman é um ídolo de Woody que é um ídolo meu, e em "Desconstruindo" há uma homenagem clara, mas na sinopse, porque "Morangos" é um drama e "Desconstruindo" uma comédia, e das bem engraçadas (não é uma comédia tipo pastelão, é uma comédia tipo Woody Allen). Mas nos dois filmes há um homem frio, egoísta, solitário e vazio que precisa viajar, pois será homenageado pela universidade que estudou. Em "Morangos" Isak vai com sua nora e no decorrer da viagem dá carona para algumas pessoas; em "Desconstruindo" Harry não quer ir só, então convida uma prostituta (que foi à sua casa no dia anterior), um colega que não via há tempos e sequestra seu filho (já que a mãe não autoriza a viagem). "Morango" está mais centrado no trajeto, na estrada, mas ambos visitam parentes nos trechos e, durante o filme, tentam relembrar coisas do passado que justifiquem a maneira com levam a vida no presente.
Harry Block (sobrenome sugestivo, não?!) é um escritor muito imaginativo, mas está sofrendo de bloqueio, não consegue escrever. Teve vários relacionamentos conturbados (amorosos e familiares), e as pessoas à sua volta (na maioria mulheres) o odeiam, pois além de ter um comportamento frio e sem sentimentos, ele escreve todos os detalhes de sua vida nos livros, expondo a vida particular das pessoas. E é muito bonito, além de divertido, a maneira como as cenas vão sendo construídas, entrelaçando memórias, imaginação e realidades. A cena do ator que simplesmente começa a ficar desfocado é genial, e a do inferno idem.
Creio que o filme é autobiográfico, inspirado na vida do próprio Woody, conturbada no plano pessoal e bem-sucedida no profissional; não é a toa que ele diz escrever a história de um cara que "não funciona muito bem na vida, só na arte”. E o final do filme é uma linda declaração de amor, Harry, em frente a todos seus personagens diz: “eu amo a todos, é sério. Vocês me deram os melhores momentos da minha vida e salvaram-me a vida por várias vezes. E agora estão me ensinando coisas e eu estou profundamente grato”. E o que o filme deixa? Que muitas vezes, para que possamos compreender, nós temos que desconstruir, porque o que pode parecer triste à primeira vista, lá no fundo pode ser engraçado e feliz. 

Desconstruindo Harry (Deconstructing Harry, EUA, 1997) *****

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

22° - "Morangos Silvestres"


"Nossa relação com pessoas consiste em discutir com elas e criticá-las. Foi isso que me afastou, por vontade própria, de toda minha vida social. Isso tornou minha velhice solitária" (Isak)
Coincidência demais eu ter visto "Morangos Silvestre" logo depois de "Confissões de Schmidt" porque eles são muito parecidos. Tudo bem que "Confissões" deve ter se baseado no clássico de Bergman, se bem que eu ainda não li nada sobre isso... Mas vejam se eu não tenho razão: "Morangos Silvestres" narra a história do professor de medicina Isak Borg, um senhor de 78 anos que receberá uma honraria em sua antiga universidade. Como Isak tem um sonho estranho, que mistura tempo e morte, ele resolve pensar em sua vida, e por isso ao invés de ir de avião resolve ir de carro à cidade onde receberá a homenagem.
Sua nora, Marianne, resolve ir com ele e é durante a viagem que ele recordará os momentos de sua juventude e seu passado que fizeram dele um homem egoísta e amargo. É claro que a viagem o transforma, aliás, desde que vi o filme ando pensando como o cinema usa a estrada como agente de transformação, como as viagens são ilustradas como libertação e por isso auxiliam no processo de descoberta do eu, do sentido da vida, e etc. E assim como Schmidt, Isak vai fundo em seus diálogos e em suas reflexões. Bergman meche com a gente, então ele faz pensar em morte e vida, em relacionamentos e em como coisas do passado podem ser carregadas pela vida. Há um diálogo forte e visceral, quando sua nora conta-lhe que saiu de casa porque engravidou do marido e ele não quer ter filhos, não tem esperanças na vida, apenas na morte, é doído. Sugere que a mulher aborte, já que não quer de modo algum trazer uma criança ao mundo.
Ambos os filmes falam sobre a solidão, Isak chega a dizer que está morto, apesar de vivo. E assim como "Confissões", "Morangos" é um road movie, onde no caminho percorrido, realidade, sonho e memória se entrelaçam. Neste caminho Isak dá carona a um trio de jovens e a um casal e todos o fazem recordar seu passado, ora como jovem desiludido no amor, ora como marido de um casamento infeliz.

E é neste caminho que Isak enfrenta seu passado e seu presente, suas memórias e sua realidade. Interessante como o filme lembrou-me meu avô, ele também tem esses rompantes de lembrar sua infância, tem conversas longas onde passa horas descrevendo seu passado, nos mínimos detalhes. Isak termina sua reflexão percebendo que sua paz está lá, em seu passado, e que seus momentos de tristeza e solidão são compensados com suas lembranças. 
Além de "Confissões", há outro filme muito próximo à "Morangos" que é "Desconstruindo Harry" do Woody Allen, mas esse fica pra amanhã...
Morangos Silvestres (Smultronstallet, Suécia, 1957) ****

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

21° - "As Confissões de Schmidt"


Eu já tive a oportunidade de dizer aqui que gosto muito do Jack Nicholson, ele é ótimo, tem carisma, faz filmes de vários gêneros e está em muitos dos meus filmes prediletos (mas também fez filmes que eu não gosto nem um pouco, como "Tratamento de Choque", ruim), portanto ele ainda aparecerá muito por aqui. "Confissões de Schimdt" é um filme fantástico, delicado, mas ao mesmo tempo é uma bofetada. É o segundo filme do tipo "road movie" que vi de Nicholson, o primeiro foi o clássico "Easy Rider", também excelente.
É engraçado porque eu revi o filme ontem, justamente no dia que estava pensando na vida, na ideia de ter ou não filhos e na importância desta decisão para a velhice. Schmidt acabou de se aposentar, é um cara medíocre em todos os sentidos, vive para o trabalho, mas não é feliz: não é feliz em casa, não tem lazer, não tem prazeres; e uma pessoa assim não dá conta de se aposentar, vamos combinar. Sem ter muito o que fazer, sendo facilmente substituído na empresa pela qual dedicou boa parte da vida, ele vê um comercial sobre apadrinhamento de crianças do 3° mundo, algo do tipo "doe $22,00 por mês e ajude uma criança a sair da miséria e da fome", só que junto com o dinheiro Schmidt precisa escrever uma carta, e ele a faz como um diário, como uma sessão de análise; sem conhecer pessoalmente o menino para quem escreve, ele se vê livre para realmente dizer o que sente (ou pelo menos dizer o que ele quer).
Ele é infeliz, vive há 42 anos com sua mulher e acha que detesta todas as suas manias, só que ela morre, logo no início, de um coágulo no cérebro, e a partir daí Schmidt vai reavaliar sua vida, mas sem ser piegas. O filme fala da solidão e tem cenas tristes e lindas, como a dele sentindo saudades da esposa e se lambuzando com o creme de rosto dela. Schmidt tem uma filha que mora longe, é fútil e fria, assim como o pai. Em sua solidão, Schmidt vai para o casamento dela com alguns dias de antecedência, mas ela não quer sua presença, então ele resolve ir aos lugares que já foram importantes pra ele um dia, passando em cidades, revendo sua vida, pensando em perdão e nos sentidos da vida...
No início do filme, na cena na qual a empresa faz uma festa de aposentadoria, um colega de Schmidt faz um discurso caloroso centrado na ideia de que "o que importa é saber que você se dedicou a algo importante na vida" e poxa deve ser uma pedrada olhar para traz e perceber que você foi mediano, que a coisa pela qual se dedicou mais você é facilmente substituído por um garoto que acaba de sair da faculdade. O próprio Schmidt fala que quando jovem tinha o desejo de fazer a diferença, de ser meio-importante, de criar uma empresa, mas a vida foi levando, foi acontecendo...

Hoje em dia há um discurso muito forte de que você deve ser produtivo para se sentir vivo, e vejo aí uma legião de workholics sendo construída, pessoas que falam com orgulho que trabalharam o fim de semana inteiro, que ficaram a madrugada estudando ou trabalhando. Não estou fazendo aqui apologia à preguiça do trabalho, ao contrário. Eu gosto muito de trabalhar, mas o meu trabalho não me define, não me resume. É apenas mais uma parte de mim, longe de ser a única e a preponderante. Eu tenho minha vida, meu lazer, minhas horas de ócio produtivo, minha família, e tudo isso é importante também. Se no trabalho nós somos facilmente substituídos, não podemos dizer o mesmo da família, dos amigos e é neles que devemos nos centrar na vida, porque o resto te abandona, o trabalho, o dinheiro, o prestígio, mas não o amor, a amizade, o companheirismo.
E voltando ao filme, ele tem um final incrível, porque pequenas atitudes podem causar grandes diferenças e que o amor e o afeto pode vir de onde menos esperamos. 
As Confissões de Schmidt (About Schmidt, EUA, 2002) ****

domingo, 20 de janeiro de 2013

20º - "Jackie Brown"

"Black is good" (Max)
Eu não sei por que, mas eu jurava que "Jackie Brown" era o primeiro filme de sucesso do Tarantino, antes mesmo de "Cães de Aluguel". Deve ser pelo fato do filme ser pouco falado e comentado na história do diretor e eu não entendo o motivo. Tudo bem que o filme vem depois de "Pulp Fiction", clássico do diretor, escritor e produtor, mas o filme é muito bom e tem os elementos característicos do Taranta. Gosto muito dele e de todos seus filmes que vi, gosto do seu estilo e também o acho muito educado (pelo menos é que parece nas entrevistas e falas que eu já vi), enfim é um prato cheio. O Tarantino consegue fazer um cinema que mistura estilos, com figuras bizarras, falas e takes loooongos - e muitas vezes em momentos triviais do filme -, e juntando todos esses elementos ele consegue fazer algo diferente, principalmente se tratando do cinema americano. E também é possível perceber em seus filmes o cuidado com o todo, com a cena, com as personagens, com o diálogo, com a história, com o figurino... E o que falar de suas trilhas sonoras? O CD de "Pulp Fiction" é maravilhoso, todas as músicas são ótimas, me lembro que foi um CD que habitou meu aparelho durante muito tempo.
E assim, talvez em termos de Tarantino, "Jackie Brown" é um filme mais previsível, mas nem por isso deixa de ser bom. Neste filme ele resgata alguns atores que estavam fora do circuito há algum tempo, como Pam Grier (Jackie Brown) e Robert Forster (Max Cherry) e é bem interessante a cena na qual eles conversam na cozinha dela e falam sobre envelhecer e suas consequências... Em "Jackie Brown" Tarantino faz um tributo a filmes do tipo blaxploitation, os protagonistas são negros e a única personagem burrinha e sem graça é uma loirinha do tipo surfista (vivida por Briget Fonda). Jackie (Pam Grier) é uma personagem forte, é uma mulher que está numa situação complicada, praticamente sem saída, e consegue dar a volta em todos os homens ao seu redor (incluindo os policiais e o traficante, todos durões e machistas).
É difícil comentar sobre o filme sem apresentar spoiler, mas a história é mais ou menos a seguinte: Jackie é uma aeromoça (comissária de bordo) que depois de um infortúnio no passado agora trabalha na pior companhia aérea. Para complementar sua renda, ela contrabandeia dinheiro para Ordell (Samuel L. Jackson, que está uma figura com cabelos e cavanhaque longos) do México, mas a polícia recebe uma denúncia e encontra a grana, junto com pó, então Jackie está num beco: ou se dá mal com a polícia e é presa ou se dá mal com Ordell e é morta. Então ela trama uma saída arriscada, cheia de detalhes, mas é a chance dela se dar bem. E essa história rende um ótimo filme, que vale a pena ser visto. O filme ainda tem a participação de Robert de Niro que vive um colega fracassado de Ordell.
Tarantino é sempre Tarantino, o cara é f** e tem um estilo que é dele, maravilhoso e até certo ponto previsível, você meio que sabe o que vai encontrar quando senta pra ver um filme dele. Sabe que ele não é politicamente correto, que pode inverter as coisas e a ordem, que pode beirar o paspalhão, que pode ter sangue jorrando, cenas esdrúxulas e falas compridas em momentos sem sentido, mas principalmente você sabe, ou melhor, tem certeza, que vai ser bom, que você vai se deleitar e que, incrivelmente, ainda vai se surpreender. 
Jackie Brown (Jackie Brown, EUA, 1997) ***** 

sábado, 19 de janeiro de 2013

19º - "O Concerto"



Eu vi "O Concerto" e confesso que ele me ganhou só no fim... A história é até bacana, Andrei Simoniovich Filipov, um ex-maestro do Bolshoi que foi humilhado por se negar a despedir os músicos judeus há 30 anos e agora vive como faxineiro do mesmo teatro, encontra uma oportunidade de ir à Paris no lugar da atual orquestra, como maestro, reunindo seus antigos músicos - que agora trabalham com outras coisas, não música. A única imposição de Andrei é a presença da solista de violino Anne-Marie Jacquet porque, é claro, ela tem a ver com o passado deles. 
O filme tem duas horas e em sua primeira hora eu não tava dando nada por ele... acho que o filme pega um pouco pesado ao retratar a Rússia e os russos, fazendo uma caricatura de um lugar extremamente pobre, com pessoas sem educação e sem modos para a Europa (só uma cena já é capaz de ilustrar: eles chegando no hotel e deixando o recepcionista sem ação). Outra coisa, infelizmente não entendo de música clássica, tampouco de orquestras, mas me parece muito inverossímil que o conjunto consiga tocar maravilhosamente bem, com apenas poucos tropeços no início, depois de 30 anos e sem nenhum ensaio... 
Massssss nos 20 minutos finais do filme (que tem 2 horas) ele se redime e é justamente quando a orquestra começa a tocar, é lindo de ver. Durante a peça, o filme vai passando imagens que vão justificando algumas atitudes e também mostrando qual foi o futuro da orquestra, tudo ao som de Tchaikovsky, emocionante. O final também é uma redenção, o choro, o alívio e o perdão, as rosas e o teatro inteiro aplaudindo de pé. E assim “O Concerto” mostra como a música é algo que supera os infortúnios, cura as dores, é alento pra alma e une as pessoas (muito melhor que “O Som do Coração”). E essa transformação foi pra mim o motivo de gostar do filme, quando eles começam a tocar estão perdidos, com rancor, raiva, tristeza, mas a medida que a música desenvolve ela também transforma, se transforma em perdão, em amizade, em gratidão, em alegria. 
O Concerto (Le Concert, França, Bélgica, Rússia, Itália e Romênia, 2009) ***

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

18° - "Up - Altas Aventuras"



Hoje estou tão cansada que um filme bem levinho e divertido caí muito bem. Eu adoro as animações da Pixar, tem como não gostar de "Wall-E", "Procurando Nemo", "Monstros S.A.", "Os Incríveis", "Ratatouille"? Ahh, lindezas... Em "Up - Altas Aventuras" temos dois protagonistas inusitados, um velho e um menino asiático, diferente para protagonistas de animação, não?! O começo do filme descreve uma história que representa o que deseja grande parte da população: encontrar um parceiro pra vida, ser feliz no casamento, envelhecer juntos e com amor, é lindo de ver, e também emocionante. 
Carl, o velhinho até então rabugento, sem lugar (em todos os sentidos da palavra) resolve amarrar vários balões e voar até a América do Sul, num lugar que ele e Ellie (sua mulher) sempre sonharam conhecer. Essa mensagem do sonho é também emocionante, eles juntaram dinheiro a vida inteira, mas não realizam, dá pra pensar um pouco nesta história de dinheiro X vida, apesar de ser tão batida. Mas acho que a gente que é adulto sempre vive esse conflito: juntar (mais) dinheiro ou viajar? ou passear? ou decorar a casa? a resposta parece óbvia, mas não é, o dinheiro é também necessário pra dar segurança na vida e na velhice... Enfim, eu tento ir pela linha do equilíbrio, mas nem sempre é fácil. No filme, quando Carl tem que se livrar dos móveis da casa para que ela flutue a mensagem é clara, que para voar a gente precisa se livrar das coisas - isso mesmo coisas - materiais.
Mas o filme tem Russell, o menininho asiático que por acaso está na casa quando ela começa a flutuar e vai viver a aventura junto com Carl, e ahh, ele é uma fofura, e eu me diverti muito com ele, todas as vezes que vi o filme - tem uma cena muito engraçada do GPS que cai na janela - e olha que Russell rendeu muitas cenas emocionantes, como o final. E ainda tem mais fofuras, tem a pássara colorida, tem o cachorro fofo e carente. Enfim, uma coleção de motivos para fazer seu dia mais leve, pra te levantar.
Up - Altas Aventuras (Up, EUA, 2009) ***

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

17° - "Intocáveis"



"Minha maior deficiência não é viver nesta cadeira de rodas. É viver sem ela." (Philippe)

Pronto, este é "Intocáveis", fenômeno do cinema em 2012, e por aí já entendemos o motivo.  Eu fiquei encantada com o filme e vou dizer que era difícil me encantar, já que todos falaram e falam de "Intocáveis" e é comentário geral que o filme é muito bacana, lindo, sensacional e etc... Para falar a verdade euzinha já estava até com um cadim de preguiça de assistir, porque assim, depois de tanta recomendação, achei mesmo que o filme não me surpreenderia, e positivamente me enganei.
A sinopse, vamos combinar, não indica nada de muito diferente, um tetraplégico ricaço precisa de um cuidador, um desajustado chega, sem experiência, sem técnica e sem vontade de trabalhar, mas ainda assim, apesar das diferenças, eles estabelecem uma amizade. Tenho que admitir que o enredo é previsível, mas a história é empolgante (principalmente quando sabemos ser baseada numa história real), não é a toa que se tornou a segunda maior bilheteria da França. E também é um retrato de sua realidade, da França branca, hermética em sua cultura e valores e da França imigrante, marginalizada.
Mas o filme ainda tem outros trunfos, seus personagens principais são maravilhosos, tanto Omar Sy (Driss) quanto François Cluzet (Philippe). E eles constroem uma relação baseada na completude, o que há em um falta noutro e vice-versa; enquanto um é a cabeça, é erudito, inteligente, sábio, vivido; o outro são braços e pernas, juventude, imaturidade, mas também sorrisos e ingenuidade.
Enquanto eu via o filme algo não saia da minha cabeça, a importância do bom-humor para a vida. Acho que Philippe gosta de Driss porque ele negligencia seu estado de saúde, mas na verdade ele negligencia tudo, ele não leva a vida a sério. Ele faz rir. E acho que levar a vida com bom-humor é um dom, muito raro. Neste quesito acho que a escolha do ator foi fantástica, Omar Sy (Driss) é um cara que quando ri sua cara ri junto, sabe este tipo? É contagiante. Tenho pensado cada vez mais que grande parte da vida não deve ser levada a sério, na risada é mais fácil, tanto que minha filosofia de vida para 2013 é tentar, cada vez mais, não ter medo do ridículo, já que “a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo”, Veríssimo. É bem difícil ver “Intocáveis” sem tirar o sorriso do rosto, eu chorei de rir na cena dos bigodes, mas também me emocionei muito nas cenas dramáticas.
E sabe, na minha opinião “Intocáveis” é um filme sutil, tem tudo pra ser piegas, mas não é. Seu foco não está na doença (durante o filme me lembrei de “Mar Adentro”, este sim um filme denso sobre a tetraplegia), não está na desigualdade social, nem na violência, nem na pobreza ou riqueza. Ele passa por todos esses temas com sutileza. Ele tem tudo para virar um drama, mas opta pela comédia. Um filme que sonda tantos assuntos duros, mas consegue ser leve, como Driss e Philippe querem levar a vida, apesar de tudo.
Intocáveis (Intouchables, França, 2012) ****

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

16° - "Zelig"



Bem, como ontem eu falei sobre a minha paixão por Woody Allen - ele é meu diretor favorito - nada mais justo que comentar hoje um filme dele. Eu gosto muito do Woody, mas não me lembro como minha predileção por ele começou. Embora eu seja fanzoca dele, tem filmes que amo, outros gosto muito e outros simplesmente gosto. Todos dizem que ele inaugurou uma nova fase a partir de Match Point, e eu acho incrível nele essa capacidade de mudança, mas eu gosto de seus filmes antigos e gosto de seus filmes que são considerados sua pior fase (de 2000 até 2005), eu adoro "Trapaceiros", "O Escorpião de Jade", "Dirigindo no Escuro" e "Melinda e Melinda".
Woody não é bom ator, pois sempre interpreta ele mesmo em seus filmes, e isso pode parecer repetitivo, mas incrivelmente não é. Eu gosto muito do seu tipo, um nova-iorquino neurótico, frustrado, um judeu quase ateu, é hilário! Por curiosidade fiz umas contas por aqui e percebi que, dos seus 50 filmes eu vi quase 40, o que me permite comentar um por semana neste projeto do blog. O que eu mais gosto em seus filmes é que ele consegue pegar uma característica da sociedade e colocá-la em close up. Dificilmente você será convencido a ver seus filmes pela sinopse, porque muitas vezes eles não estão preocupados com finais surpreendentes e tramas muito bem amarradas, mas sim com diálogos interessantes, inteligentes, e são nestas sutilezas que ele sempre me ganha.
O filme que gostaria de falar hoje está, certamente, no topo dos meus preferidos. Em "Zelig" Woody coloca em evidência a construção de identidades culturais, apresentando a história do camaleão humano. O filme - de 1983, ano do meu nascimento - é apresentado como se fosse um documentário da vida de Leonard Zelig (Woody Allen), um homem que tem a capacidade de se transformar - psicologicamente e fisicamente - de acordo com quem estiver interagindo. Sendo assim, Zelig pode ser irlandês, negro, gordo, médico, indío, soldado (é ótimo, um judeu que vira soldado nazista, ao lado de Hitler), piloto de avião, para citar algumas das personalidades que assume durante o filme. 
Passado em preto e branco, Zelig se torna um caso clínico, depois um freak show, mas sempre uma personalidade nos EUA. Todos querem conhecer o camaleão humano, que pode ser qualquer um, mas quando está só não é ninguém... Woody entrelaça takes reais, com personalidades reais, inserindo a figura de Zelig.
E assim, me lembro que quando vi o filme a primeira vez eu me apaixonei de cara, porque eu me considero um pouco Zelig, e na verdade quem não seria? Nossa identidade é construída de maneira interativa, somos de acordo com quem convivemos. É difícil engolir a história de que somos verdadeiros e únicos, porque na verdade somos múltiplos, somos filho, pai ou mãe, tios, amigos, amantes, profissionais e em cada um desses locais nos adequamos, nos adaptamos como um camaleão...
Mas é óbvio que há um limite e para Zelig a explicação para sua situação não é patológica, mas psicológica (apesar da junta de médicos discordar totalmente). Quem o cura é a Dra. Eudora Fletcher (Mia Farrow) uma psicanalista. Zelig tem esse distúrbio porque quer agradar a todos, porque quer ser aceito... E atire a primeira pedra quem nunca na vida fingiu ter lido Moby Dick para fazer parte de um grupo... Então Zelig fala de inseguranças e aí, poxa, ele vai fundo. Engraçado que senti uma diferença grande da primeira vez que vi o filme e agora, quando o revi para poder escrever aqui. A primeira vez que vi me identifiquei totalmente, eu era o Zelig em sua versão light feminina. Mas agora, um pouco mais velha, ainda enxergo as semelhanças, mas vejo com mais facilidade o quanto é inútil e frustrante tentar agradar a todos, como este caminho é curto para a infelicidade. Creio que o fato de ser professora ajuda muito neste processo, porque não há exposição maior para a necessidade de aceitação do que ser docente, não é verdade?! Não dá para agradar a todos. Mas ainda acho que de médico, louco e Zelig todo mundo tem um pouco, afinal de contas vivemos em sociedade e interagir é preciso. 
Zelig (Zelig, EUA, 1983) *****