"A vida dos
outros" é bem parecido com "Fahrenheit 451" e tão bom quanto. Isso
não é algo simples de dizer, porque são dois filmes bons demais, desses
imperdíveis na vida! O que os dois têm de mais próximo é o mais bonito neles,
que regimes autoritários constroem cidadãos que realmente acreditam na
ideologia pregada, que são manipulados (via educação) para acreditar que o
governo está completamente correto em suas ideologias, e que os subversivos são
uma pedra no sapato, atrapalhando a paz e a concretude dos ideais ditatoriais
(e o ótimo "A Onda" mostra direitinho como isso é - facilmente -
construído), e que por isso, por serem considerados vilões do próprio povo, podem
ser submetidos à tortura e a condições de violação total de direitos e de
liberdades.
Não
sei se é fácil compreender, porque é preciso relativizar, entender que tanto
Montag ("Fahrenheit 451")
quanto Wiesler ("A vida dos outros") foram, também, vítimas do
próprio sistema, foram manipulados para acreditar que o que faziam é certo, é
em busca de um ideal (e de forma matizada ainda hoje, quantas instituições
políticas se revestem com capas idealistas?). Se em "Fahrenheit 451" a
sociedade vivia sob um regime totalitário, mas que não conhecemos muito bem, em
"A vida" é retratado uma época real e recente, que foi a ditadura
socialista da Alemanha Oriental (que contradição, pra quem nunca estudou Marx e
se baseia apenas em filmes ou na TV não tem acesso aos ideias socialistas, que
nada tinham a ver com autoritarismo e violência do Estado, ao contrário, previa
a própria extinção deste).
Mas
"A vida" ainda tem outras histórias tão interessantes quanto a de
Wieler. No início do filme somos apresentados à Gerd Wiesler (Ulrich Muhe) que
é um profissional do Estado dedicado, professor e perito em interrogatórios e
em vigiar aqueles indivíduos suspeitos de propagar contra o Estado. Georg
Dreyman (Sebastian Koch) é o maior dramaturgo da Alemanha Oriental, e realmente
acredita nas políticas do governo e não o contesta em suas obras; acontece que
Hempf, um ministro poderoso se interessa pela namorada de Dreyman,
Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck) e então pede que Dreyman seja
monitorado, pois acredita que achará algo que o porá na cadeia e facilitará sua
aproximação com Christa-Maria. Wiesler, que desconhece os propósitos pessoais
do ministro, coloca escutas por toda a casa de Dreyman e começa a monitorá-lo
24 horas por dia. Neste processo, Wiesler percebe que Dreyman não
é um traidor do Estado, e, além disso, vai percebendo suas tristezas e
injustiças (há uma cena linda, quando Dreyman acabou de saber que seu amigo está morto vai ao piano, toca a "sonata Appassionata" de Beethoven e conta que Lenin certa vez disse "se eu continuar escutando essa peça não levarei a cabo a revolução" e quando Wiesler escuta a música também começa a hesitar).
O ministro Hempf (ai dá
um ódio dele) começa a seguir Christa- Maria e a estupra regularmente,
chantageando-a, é horrível e ao mesmo tempo é uma delicadeza perceber em
Wiesler a compreensão de quem é realmente vilão na história, ele percebe os
propósitos puramente políticos e pessoais - e nada ideológicos - da empreitada
que lhe foi conferida. Paralelamente Dreyman, que realmente acreditava no
regime começa a se revoltar contra, a partir da situação de sua namorada (ele
percebe o que está acontecendo) e do suicídio de um amigo, que era diretor de
suas peças, mas foi afastado do cargo pelo governo.
O
final do filme é de uma delicadeza, de uma beleza que é difícil colocar em
palavras, só vendo mesmo... Mas a beleza do filme (que é de chorar, eu chorei
em várias partes, todas as vezes que vi) é mostrar as complexidades do ser
humano, nossa falibilidade, onde estão concentradas as nossas crenças e o
contraste delas com a realidade, lindo!
A vida dos outros (Das
Leben der Anderen, Alemanha, 2006) *****
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