sábado, 9 de março de 2013

68° - "O declínio do império americano"


Dominique (Dominique Michel) é professora do departamento de história da universidade de Montreal e escreveu um livro sobre a felicidade. Sua tese é a de que a noção de felicidade individual tende a crescer ao mesmo tempo em que diminui a glória de uma nação. Em uma civilização que encontra sua glória, o desenvolvimento coletivo é mais importante que o individual, do que satisfações imediatas. Um exemplo? O casamento. Nas sociedades estáveis o casamento é uma troca econômica, política, ou seja, uma união nada tem a ver com escolhas individuais, com amor; agora de acordo com a historiadora, analisando nossa história, a noção de amor conjugal surge, em Roma no século 3, quando o império desaba, na Europa no século 18, quando próximo à Revolução Francesa a partir da ideia rosseauniana de felicidade. Então sua questão é: o desejo de felicidade individual que observamos não estaria ligado ao declínio do império americano que vemos hoje? (me lembrou Bauman em "A arte da vida").
O início do filme já traz uma questão boa demais pra gente pensar, mas "O declínio" não para por aí, se a felicidade individual está atrelada ao declínio de uma nação, vemos no filme um grupo que prioriza, de maneira egoísta, sua própria felicidade. Na maioria intelectuais, professores de história, mais velhos, o grupo é formado por 4 homens (Rémy, Pierre, Claude, Alain) conversando numa cozinha, em um lugar lindíssimo, enquanto cozinham, e 4 mulheres (Louise, Dominique, Diane, Danielle), conversando num clube, enquanto malham, fazem sauna, piscina... A metade do filme é mostrando um paralelo entre as duas conversas, mostrando as diferenças nas questões de gênero quando o assunto é amor, sexo, relacionamento. Aqui as mulheres também têm desejos, que são assumidos, mas as relações entre eles são cínicas, dos 8, 4 formam dois casais, sendo um casado há 15 anos, mas isso não impede que o marido a traia loucamente, inclusive com as amigas do grupo. Nesse ponto o filme é um pouco desanimador, quando os homens falam das dificuldades em conviver com mulheres, exaltando os homens e a sorte de Claude (que é um deles, um amigo querido que é gay e está doente). Mas quando Pierre conversa com Alain (que é um garoto, o mais novinho de todos) a sós ele tenta dizer ao garoto que ele ainda vai ambicionar muito na vida, vai querer um doutorado, comprar um apartamento, sonhar em escrever um livro importante, e então perceberá que não conseguirá ser tão importante quanto alguns autores, e o que lhe restará será o sexo ou o amor, e Pierre: "no fundo, não sei o que me resta. Por isso o vício vem com a idade"; a necessidade de ser importante para alguém, de não ser só.
Lá na metade do filme todos se encontram, homens e mulheres, e aí o filme fica bem mais interessante, eles que são amigos, e têm casas no campo próximas, se sentam para comer, conversam sobre questões como a solidão, filhos, gênero (Diane afirma que, por ter se apaixonado, casado, optado por ter filhos, hoje não conseguiu um doutorado e ganha um quinto do que ganham os homens da mesa). Eles caminham, discutem a questão da felicidade, das escolhas profissionais ou de tema para estudo (a gente sempre estuda temas que dizem muito sobre nós, sobre nossa culpa) e nós, espectadores, ficamos o tempo todo com a sensação: "agora alguém vai falar, alguma coisa vai acontecer" e em algum momento eles acabam falando suas verdades e o cinismo cai.
"O declínio" é um filme fantástico, com excelentes diálogos e questões levantadas sobre o indivíduo, e também sobre um grupo.
"Os sinais do declínio do império estão por toda parte. A população despreza suas próprias instituições, a queda da natalidade, a recusa dos homens em servir ao exército, a dívida nacional incontrolável, a diminuição das horas de trabalho, a invasão do funcionalismo, a degeneração das elites. Com a destruição do sonho marxista-leninista não há nenhum modelo de sociedade do qual dizer: 'é assim que gostaríamos de viver'. Como no plano provado, a menos que seja místico ou santo é quase impossível moldar sua vida a partir de um exemplo à sua volta. Vivemos um processo geral de dissolução de toda a existência."
O declínio do império americano (Le déclin de l’empire Américain, Canadá, 1986) ****

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