Dominique (Dominique
Michel) é professora do departamento de história da universidade de Montreal e
escreveu um livro sobre a felicidade. Sua tese é a de que a noção de felicidade
individual tende a crescer ao mesmo tempo em que diminui a glória de uma nação.
Em uma civilização que encontra sua glória, o desenvolvimento coletivo é mais
importante que o individual, do que satisfações imediatas. Um exemplo? O
casamento. Nas sociedades estáveis o casamento é uma troca econômica, política,
ou seja, uma união nada tem a ver com escolhas individuais, com amor; agora de
acordo com a historiadora, analisando nossa história, a noção de amor conjugal
surge, em Roma no século 3, quando o império desaba, na Europa no século 18,
quando próximo à Revolução Francesa a partir da ideia rosseauniana de
felicidade. Então sua questão é: o desejo de felicidade individual que observamos
não estaria ligado ao declínio do império americano que vemos hoje? (me lembrou
Bauman em "A arte da vida").
O
início do filme já traz uma questão boa demais pra gente pensar, mas "O
declínio" não para por aí, se a felicidade individual está atrelada ao
declínio de uma nação, vemos no filme um grupo que prioriza, de maneira
egoísta, sua própria felicidade. Na maioria intelectuais, professores de
história, mais velhos, o grupo é formado por 4 homens (Rémy, Pierre, Claude,
Alain) conversando numa cozinha, em um lugar lindíssimo, enquanto cozinham, e 4
mulheres (Louise, Dominique, Diane, Danielle), conversando num clube, enquanto
malham, fazem sauna, piscina... A metade do filme é mostrando um paralelo entre
as duas conversas, mostrando as diferenças nas questões de gênero quando o
assunto é amor, sexo, relacionamento. Aqui as mulheres também têm desejos, que
são assumidos, mas as relações entre eles são cínicas, dos 8, 4 formam dois
casais, sendo um casado há 15 anos, mas isso não impede que o marido a traia
loucamente, inclusive com as amigas do grupo. Nesse ponto o filme é um pouco
desanimador, quando os homens falam das dificuldades em conviver com mulheres,
exaltando os homens e a sorte de Claude (que é um deles, um amigo querido que é gay e está
doente). Mas quando Pierre conversa com Alain (que é um garoto, o mais
novinho de todos) a sós ele tenta dizer ao garoto que ele ainda vai ambicionar
muito na vida, vai querer um doutorado, comprar um apartamento, sonhar em escrever
um livro importante, e então perceberá que não conseguirá ser tão importante
quanto alguns autores, e o que lhe restará será o sexo ou o amor, e Pierre:
"no fundo, não sei o que me resta. Por isso o vício vem com a idade";
a necessidade de ser importante para alguém, de não ser só.
Lá
na metade do filme todos se encontram, homens e mulheres, e aí o filme fica bem
mais interessante, eles que são amigos, e têm casas no campo próximas, se
sentam para comer, conversam sobre questões como a solidão, filhos, gênero
(Diane afirma que, por ter se apaixonado, casado, optado por ter filhos, hoje
não conseguiu um doutorado e ganha um quinto do que ganham os homens da mesa).
Eles caminham, discutem a questão da felicidade, das escolhas profissionais ou
de tema para estudo (a gente sempre estuda temas que dizem muito sobre nós,
sobre nossa culpa) e nós, espectadores, ficamos o tempo todo com a sensação:
"agora alguém vai falar, alguma coisa vai acontecer" e em algum
momento eles acabam falando suas verdades e o cinismo cai.
"O
declínio" é um filme fantástico, com excelentes diálogos e questões
levantadas sobre o indivíduo, e também sobre um grupo.
"Os
sinais do declínio do império estão por toda parte. A população despreza suas
próprias instituições, a queda da natalidade, a recusa dos homens em servir ao
exército, a dívida nacional incontrolável, a diminuição das horas de trabalho,
a invasão do funcionalismo, a degeneração das elites. Com a destruição do sonho
marxista-leninista não há nenhum modelo de sociedade do qual dizer: 'é assim
que gostaríamos de viver'. Como no plano provado, a menos que seja místico ou
santo é quase impossível moldar sua vida a partir de um exemplo à sua volta.
Vivemos um processo geral de dissolução de toda a existência."
O
declínio do império americano (Le déclin de l’empire Américain, Canadá, 1986)
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