Argo, vencedor do Oscar
de melhor filme este ano, tem tudo para ser um filme clichê: conflitos
políticos entre EUA e algum país do Oriente Médio, como retaliação aos EUA o
país faz reféns americanos e um herói nacional sozinho, com um plano
mirabolante, entra no país hostil para salvar seus compatriotas. Vamos
reconhecer que não é a primeira vez que vemos algo do tipo no cinema americano,
desses filmes que são feitos para ressaltar o patriotismo, a identidade
nacional. Mas peraí, Argo tem algo diferente, além de ser baseado numa história
real (eu vi depois os extras e realmente o caso é fantástico), ele justifica
sua importância nos primeiros 3 minutos de filme, aqueles introdutórios que vão
explicar porque um país pequeno no Oriente Médio (mas muito rico em petróleo)
tem tanto ódio dos EUA e aí, realmente, Ben Affleck e companhia limitada conseguiram
um feito: a culpa é claramente do próprio EUA, sua ganância econômica e
política, seu descaso com outra nacionalidade, com outro povo. E então quando o
povo do Irã faz refém mais de 50 americanos que trabalhavam na embaixada e a
gente entende, é justificável. A situação humanamente é terrível, mas a única
coisa que eles querem é que os EUA extraditem o xá, responsável por anos de
muita crueldade, e que agora se trata de um câncer na terra dos ianques; justo,
eles querem um julgamento com a mesma justiça que lhes foi confiado, enquanto
povo, durante tantos anos.
E
se a gente tá cansado de ver, e de tentar entender, os fundamentalistas desses
países, o filme explica: no caso do Irã todo radicalismo do povo foi construído
pelo próprio EUA. "Em 1950 o povo do Irã elegeu Mohammad Mosaddegh, um
democrata, como primeiro-ministro, ele nacionalizou holdings de petróleo
britânicas e americanas, devolvendo o petróleo do Irã ao seu povo. Entretanto
três anos depois, EUA e Grã-Bretanha maquinaram um golpe de estado que depôs
Mosaddegh e instalou Reza Pahlavi como xá. O jovem xá era conhecido por
opulência e excessos. Havia rumores que sua esposa de banhava em leite,
enquanto seus almoços vinham de Paris num Concorde. O povo morria de fome. O xá
matinha o poder através de sua cruel polícia, com tortura. Também iniciou-se
uma campanha para ocidentalizar a população, o que enfureceu alguns xiitas, e
em 1979 o povo do Irã depôs o xá. O aiatolá Khomeini, clérigo exilado, voltou
para governar o Irã." O povo, claro, cheio de revolta com seu passado
recente de opressão e violências (física, política, cultural) resolveu fazer
justiça com as próprias mãos. Neste universo eles se tornaram ainda mais
xiitas, procurando defender seu patrimônio, e depois de mais de 20 anos vivendo
na violência, eles simplesmente a continuaram, estabelecendo um poder também
autoritário, mas agora no controle do próprio povo (bem, é ruim de qualquer
jeito, mas ainda acho que pelo menos está nas mãos do povo o que é do povo),
tem como culpá-los? Se foi o próprio 1º mundo quem construiu essa cultura da
opressão e do medo?
Mosaddegh
pediu asilo nos EUA e foi aceito, claro. Mas o povo iraniano queria fazer a sua
justiça, e protestava em frente à embaixada americana, até que certo dia a
invadiram, fizeram reféns, cuja liberdade estava condicionada à volta de
Mosaddegh, foram 444 dias de cativeiro.
Acontece
que 6 desses americanos conseguiram fugir, e se refugiaram na casa do
embaixador canadense. A situação deles era pior que a dos outros colegas, já
que a mídia de todo o mundo estava de olho na embaixada. Então, temendo a
situação desses 6 americanos, Tony Mendes (Ben Affleck) perito em
"exfiltração" é incumbido de pensar num plano para capturar
seus compatriotas. Como todos os outros planos parecem improváveis na atual
situação extremista do Irã, Mendes pensa na mais mirabolante de todas: fingir
que o grupo está no Irã para procurar um local de locação para um filme de
Hollywood. Para dar veracidade ao plano, “Argo”, nome do filme escolhido cujo
roteiro prevê uma ficção científica num lugar do Oriente Médio, é pré-produzido
em Hollywood, com destaque da mídia.
Argo,
cuja ênfase está em Tony Mendes e em suas ações (há pouco destaque para os
reféns, todos e também os 6 que serão resgatados) é também um meta-filme, já
que fala dos bastidores de Hollywood, para produção de um filme e esta parte é
bem interessante. O filme é também muito tenso e bastante didático, digo isso porque eu consegui
compreender totalmente suas discussões e geralmente sou bem lerda para filmes
da CIA ou FBI com diálogos rápidos sobre espionagem e não-sei-o-que-mais.
E
Tony Mendes realmente merecia um filme e quiçá um Oscar, o cara foi valente
demais, aparecer sozinho no Teerã, para capturar os 6 reféns, num país
completamente hostil e correndo muitos riscos.
O filme é também muito
bom esteticamente, no figurino, nas cenas, até nas cores, realmente nos remete
para a época retratada. E apesar de ter adorado “Lincoln” e a atuação de Daniel
Day-Lewis, “Argo” é melhor, não na história em si, mas por fazer uma crítica
ácida ao próprio país do Oscar, e ter vencido apesar disso foi incrível. De um
lado o mito do que é ser americano, com o presidente mártir, de outro uma
crítica ferrenha ao que é preciso fazer para se manter no poder, sem
justificativas. Eu também prefiro “Argo”.
Argo (EUA, 2012) ****
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