Se você tiver tempo e
ligar a TV hoje, por um minuto sequer, ou espiar sites de notícias, ou passar
por bancas de jornal vai saber: o assunto mais comentado do dia é o conclave
que elegerá o novo Papa, após a renúncia de Bento XVI. E, desde sua renúncia no
início de fevereiro, "Habemus Papam" se tornou um filme comentado,
não é à toa visto as grandes semelhanças entre a ficção e nossa atual
realidade. Eu vi "Habemus" já há algum tempo e já tinha gostado muito
dele. Tenho que confessar aqui que não simpatizo com a Igreja - apesar de
respeitar quem a segue - sua ostentação, sua história, o que defende... Nem
acho que Bento XVI tenha ajudado, tornou a Igreja ainda mais conservadora,
reafirmou valores pregados que são absurdos hoje em dia, como o não uso da
camisinha, a contrariedade da homosexualidade, enfim, quando conversava com o
Digo e dizia: "mas que absurdo essa conclave, não tem nenhuma madre? Só
homens!" e ele me respondeu: "você vai perder tempo refletindo sobre
os valores católicos?", realmente, não faz sentido... Apesar de ter a
minha fé em Deus e até em alguns santos, vejam só, eu parei de frequentar missas
- eu tenho uma alma católica que a minha família tratou de moldar e que está em
mim, como um "Anjo do Lar" de Virgínia Woolf - quando era criança, quase
adolescente, e o padre nervoso, jogou um vaso de plantas ao chão, e disse que
quem não dava dízimo não ia pro céu. Pronto, foi definitivo pra mim, o meu Deus
não é punitivo, é um Deus tolerante, um Deus de amor.
Só
estou dando esta volta toda porque, diante de toda essa minha falta de
entusiasmo pela Igreja eu posso dizer que - apesar de saber que não foi sua
intenção - o roteirista/ator/diretor Nanni Moretti conseguiu produzir um filme
que me deu até certa simpatia com relação à religião; isso porque ele focou em
algo difícil de não gostar: que apesar de toda ostentação, riqueza, protocolo,
valores e regras, as pessoas que ali estão são extremamente humanas, com suas
delicadezas, seus erros e acertos, suas certezas e dúvidas. E isto não está
apenas na figura central do filme, o cardeal votado Melville, mas em todos ao
redor. A cena inicial é apaixonante: estão todos seguindo o rigor protocolar do
conclave, os mais de 100 cardeais indo à sala de votação, devidamente trajados,
cantando, envoltos pela mídia, até aí tudo esperado; então eles se sentam para
votar, estão todos lá, os mais cotados, os com mais visibilidade, todos em
momento de silêncio votando até que, por algum instante, nós espectadores
viramos Deus e ouvimos todas as preces daquela sala, todos os cardeais orando e
pedindo ao senhor: "Eu não, meu Deus, eu não", "Eu, não, meu
Senhor. Não me escolha", "Eu não, eu não Senhor, eu Lhe rogo"...
E alguém vai dizer o contrário? Tudo bem que ser Papa é ter um dos cargos mais
poderosos do mundo, mas com extrema responsabilidade, deveres, que vão além de
questões políticas, envolvem a expectativa e fé de milhares, o Papa é como um
santo, glorificado, seguido pelos fiéis com devoção. Sei lá, é difícil encarar.
O conclave não nomeia seu Papa na primeira eleição, mas logo chega ao escolhido, o fofo Melville (Michel Piccoli). A cena na qual ele é o escolhido é linda, todos emocionados, ele também, feliz... Mas daí vem a pergunta fatídica: "Aceita sua indicação canônica para Sumo Pontífice?", a partir daí a ficha cai para Melville, que tem uma crise de pânico na hora de se apresentar oficialmente aos fiéis da praça. Melville é um senhor simples, não lida bem com o poder que lhe deram, assim que se veste de Papa e todos se curvam, ele tem dificuldades em aceitar, e todos os outros rituais esperados de um Pontífice.
O conclave não nomeia seu Papa na primeira eleição, mas logo chega ao escolhido, o fofo Melville (Michel Piccoli). A cena na qual ele é o escolhido é linda, todos emocionados, ele também, feliz... Mas daí vem a pergunta fatídica: "Aceita sua indicação canônica para Sumo Pontífice?", a partir daí a ficha cai para Melville, que tem uma crise de pânico na hora de se apresentar oficialmente aos fiéis da praça. Melville é um senhor simples, não lida bem com o poder que lhe deram, assim que se veste de Papa e todos se curvam, ele tem dificuldades em aceitar, e todos os outros rituais esperados de um Pontífice.
A
partir daí a Igreja tem que lidar com um comportamento não previsto em seu
protocolo rígido: um escolhido que não quer assumir. Melville entra então numa
crise existencial que todos os cardeais e envolvidos tentarão contornar. Para
isso convidam Brezzi (Nanni Moretti) um psicanalista famoso, para ir ao
Vaticano tentar solucionar os problemas do Papa, a cena é divertidíssima,
Brezzi tenta realizar uma consulta com Meliville, mas todos cardeais estão em
volta, apesar de psicanalista não pode falar em sexo, da mãe, da infância, o
que limita a praticamente nada sua ajuda... Mas Brezzi tem que ficar
confinado, juntos com todos os cardeais, já que o segredo do novo Papa tem que
ser mantido.
A
segunda metade do filme é menos interessante, mais arrastada, Melville vai à
cidade consultar a ex-esposa de Brezzi, também psicanalista, e depois da
consulta dá um jeito de fugir dos seguranças, está sozinho na cidade, frequenta
lugares que nunca mais conseguirá frequentar enquanto Papa, como um bar, um
hotel modesto, um teatro... Passar incólume entre as pessoas, caminhar sozinho,
só com seus pensamentos, ahh a liberdade!!! Melville fala, em alguns momentos,
sobre a vontade de ser ator, que carrega desde menino, uma profissão tão
próxima à que está prestes a assumir, que envolve atuação, discursos, falar em
público, aparecer na mídia; e é o que faz ao final do filme, num discurso
comovente no qual diz, com sinceridade, sobre suas limitações, e renuncia em
sua primeira aparição como Papa.
Mas
as humanidades de "Habemus" não param por aqui, no próprio convívio
do Vaticano os cardeais se despem de toda solenidade, fumam, fazem exercício,
jogam cartas, são viciados em remédios para dormir, participam de um torneio de
vôlei. Sei que essa deveria ser uma visão pessimista, uma crítica ácida do
diretor italiano, mas para mim, se toda essa humanidade fosse revelada, a
Igreja teria mais dias de glória.
Habemus
Papam (Itália, França, 2011) ***
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