terça-feira, 12 de março de 2013

71º - "Habemus Papam"


Se você tiver tempo e ligar a TV hoje, por um minuto sequer, ou espiar sites de notícias, ou passar por bancas de jornal vai saber: o assunto mais comentado do dia é o conclave que elegerá o novo Papa, após a renúncia de Bento XVI. E, desde sua renúncia no início de fevereiro, "Habemus Papam" se tornou um filme comentado, não é à toa visto as grandes semelhanças entre a ficção e nossa atual realidade. Eu vi "Habemus" já há algum tempo e já tinha gostado muito dele. Tenho que confessar aqui que não simpatizo com a Igreja - apesar de respeitar quem a segue - sua ostentação, sua história, o que defende... Nem acho que Bento XVI tenha ajudado, tornou a Igreja ainda mais conservadora, reafirmou valores pregados que são absurdos hoje em dia, como o não uso da camisinha, a contrariedade da homosexualidade, enfim, quando conversava com o Digo e dizia: "mas que absurdo essa conclave, não tem nenhuma madre? Só homens!" e ele me respondeu: "você vai perder tempo refletindo sobre os valores católicos?", realmente, não faz sentido... Apesar de ter a minha fé em Deus e até em alguns santos, vejam só, eu parei de frequentar missas - eu tenho uma alma católica que a minha família tratou de moldar e que está em mim, como um "Anjo do Lar" de Virgínia Woolf - quando era criança, quase adolescente, e o padre nervoso, jogou um vaso de plantas ao chão, e disse que quem não dava dízimo não ia pro céu. Pronto, foi definitivo pra mim, o meu Deus não é punitivo, é um Deus tolerante, um Deus de amor. 
Só estou dando esta volta toda porque, diante de toda essa minha falta de entusiasmo pela Igreja eu posso dizer que - apesar de saber que não foi sua intenção - o roteirista/ator/diretor Nanni Moretti conseguiu produzir um filme que me deu até certa simpatia com relação à religião; isso porque ele focou em algo difícil de não gostar: que apesar de toda ostentação, riqueza, protocolo, valores e regras, as pessoas que ali estão são extremamente humanas, com suas delicadezas, seus erros e acertos, suas certezas e dúvidas. E isto não está apenas na figura central do filme, o cardeal votado Melville, mas em todos ao redor. A cena inicial é apaixonante: estão todos seguindo o rigor protocolar do conclave, os mais de 100 cardeais indo à sala de votação, devidamente trajados, cantando, envoltos pela mídia, até aí tudo esperado; então eles se sentam para votar, estão todos lá, os mais cotados, os com mais visibilidade, todos em momento de silêncio votando até que, por algum instante, nós espectadores viramos Deus e ouvimos todas as preces daquela sala, todos os cardeais orando e pedindo ao senhor: "Eu não, meu Deus, eu não", "Eu, não, meu Senhor. Não me escolha", "Eu não, eu não Senhor, eu Lhe rogo"... E alguém vai dizer o contrário? Tudo bem que ser Papa é ter um dos cargos mais poderosos do mundo, mas com extrema responsabilidade, deveres, que vão além de questões políticas, envolvem a expectativa e fé de milhares, o Papa é como um santo, glorificado, seguido pelos fiéis com devoção. Sei lá, é difícil encarar. 
O conclave não nomeia seu Papa na primeira eleição, mas logo chega ao escolhido, o fofo Melville (Michel Piccoli). A cena na qual ele é o escolhido é linda, todos emocionados, ele também, feliz... Mas daí vem a pergunta fatídica: "Aceita sua indicação canônica para Sumo Pontífice?", a partir daí a ficha cai para Melville, que tem uma crise de pânico na hora de se apresentar oficialmente aos fiéis da praça. Melville é um senhor simples, não lida bem com o poder que lhe deram, assim que se veste de Papa e todos se curvam, ele tem dificuldades em aceitar, e todos os outros rituais esperados de um Pontífice.
A partir daí a Igreja tem que lidar com um comportamento não previsto em seu protocolo rígido: um escolhido que não quer assumir. Melville entra então numa crise existencial que todos os cardeais e envolvidos tentarão contornar. Para isso convidam Brezzi (Nanni Moretti) um psicanalista famoso, para ir ao Vaticano tentar solucionar os problemas do Papa, a cena é divertidíssima, Brezzi tenta realizar uma consulta com Meliville, mas todos cardeais estão em volta, apesar de psicanalista não pode falar em sexo, da mãe, da infância, o que limita a praticamente nada sua ajuda... Mas Brezzi tem que ficar confinado, juntos com todos os cardeais, já que o segredo do novo Papa tem que ser mantido.
A segunda metade do filme é menos interessante, mais arrastada, Melville vai à cidade consultar a ex-esposa de Brezzi, também psicanalista, e depois da consulta dá um jeito de fugir dos seguranças, está sozinho na cidade, frequenta lugares que nunca mais conseguirá frequentar enquanto Papa, como um bar, um hotel modesto, um teatro... Passar incólume entre as pessoas, caminhar sozinho, só com seus pensamentos, ahh a liberdade!!! Melville fala, em alguns momentos, sobre a vontade de ser ator, que carrega desde menino, uma profissão tão próxima à que está prestes a assumir, que envolve atuação, discursos, falar em público, aparecer na mídia; e é o que faz ao final do filme, num discurso comovente no qual diz, com sinceridade, sobre suas limitações, e renuncia em sua primeira aparição como Papa.
Mas as humanidades de "Habemus" não param por aqui, no próprio convívio do Vaticano os cardeais se despem de toda solenidade, fumam, fazem exercício, jogam cartas, são viciados em remédios para dormir, participam de um torneio de vôlei. Sei que essa deveria ser uma visão pessimista, uma crítica ácida do diretor italiano, mas para mim, se toda essa humanidade fosse revelada, a Igreja teria mais dias de glória.
Habemus Papam (Itália, França, 2011) ***

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