quinta-feira, 7 de março de 2013

66º - "Uma história real"


Quando li as poucas críticas sobre "Uma história real" estavam todas, sem exceção, centradas na direção de David Lynch, um diretor surrealista que, neste filme, opta por uma narrativa linear, um filme calmo e sem grandes surpresas, com exceção da própria história em si: Alvin Straight (Richard Farnsworth, que concorreu ao Oscar pela atuação no filme) é um senhor com 73 anos e saúde debilitada, tem problemas no quadril (e por isso anda com duas bengalas), na vista e nos pulmões, mora com a filha (Rose, interpretada por Sissy Spacek) numa cidadezinha  em Iowa. Acontece que ele fica sabendo que seu irmão Lyle (Harry Dean Stanton) sofreu um derrame e Alvin, que não fala com o irmão há mais de 10 anos decide que precisa vê-lo. Só que essa jornada ele tem que viver só, como deixa bem claro com sua filha, só que Alvin não tem carteira de motorista, não quer ir de ônibus nem carona e então, surpreendentemente, resolve viajar os 500 km com seu carrinho de cortar grama.
É claro que as pessoas ao seu redor tentam dissuadi-lo dessa decisão, que parece - e é - absurda, mas Alvin não desiste, já que é muito teimoso, como deixa claro em alguns momentos do filme. Ele passa por algumas provações, já no início da viagem seu carrinho pifa, ele tem de voltar à sua cidade, mas compra outro e segue viagem. 
Nesta viagem que dura 6 semanas, Alvin encontra várias figuras durante seu trajeto e é nesses momentos que o filme se concentra. Se em outros road-movies as pessoas que optam em viajar sós estão em processo de aprendizado e de rever seus valores e ressignificá-los, com Alvin se dá o contrário: não é a estrada que ensina Alvin, é Alvin quem ensina à estrada. Ele tem consciência de sua maturidade, carrega o fardo dos erros cometidos (como a própria briga com o irmão, sua consciência pesada por ter matado um amigo na guerra, seu alcoolismo) e está na estrada para ensinar, para ajudar o outro a compreender a partir de suas próprias vivências. Esse processo, que é apresentado de maneira muito delicada, é belíssimo em seus detalhes, seja quando encontra uma moça que está grávida e pedindo carona para fugir, e ele lhe ensina o valor da família; seja quando vê os gêmeos brigando e desabafa sobre a importância de ter, ao seu lado, a pessoa que melhor lhe (re)conhece. Então o filme conta a história de Alvin a partir da história das outras pessoas que ele encontra no caminho.
O tempo do filme também é fabuloso, diferente de outros road-movies, como "Easy rider" por exemplo, que a estrada é um momento de libertação, de velocidade, aqui em "Uma história" a estrada tem a velocidade de Alvin, seja refletida em seu próprio estado de saúde, seja na velocidade que o carrinho pode alcançar, tudo está em equilíbrio. Se o filme tem a velocidade de Alvin, isso proporciona ao expectador cenas lindas centradas numa ótima fotografia dos visuais do campo dos EUA.
"Uma história real", como a própria obviedade do nome revela, é baseado na história real de Alvin Straight, que atravessou de trator, de Iowa à Minnesota para ver seu irmão enfermo. O nome do filme em inglês "The Straight Story" é bem mais interessante e sugere algumas interpretações, todas coerentes com o filme: é o nome do protagonista; significa reto, direto, franco e também, de algum modo, convencional, careta.
O final do filme é sinérgico com todo o resto, Alvin finalmente encontra seu irmão (existe uma tensão durante o filme, se ele vai conseguir terminar sua trajetória, se o irmão estará vivo) e a cena do encontro dos dois é lindíssima.
Uma história real (The Straight Story, EUA, 1999) ****

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