Quando li as poucas
críticas sobre "Uma história real" estavam todas, sem exceção,
centradas na direção de David Lynch, um diretor surrealista que, neste filme,
opta por uma narrativa linear, um filme calmo e sem grandes surpresas, com
exceção da própria história em si: Alvin Straight (Richard Farnsworth, que
concorreu ao Oscar pela atuação no filme) é um senhor com 73 anos e saúde
debilitada, tem problemas no quadril (e por isso anda com duas bengalas), na
vista e nos pulmões, mora com a filha (Rose, interpretada por Sissy Spacek)
numa cidadezinha em Iowa. Acontece que ele fica sabendo que seu irmão
Lyle (Harry Dean Stanton) sofreu um derrame e Alvin, que não fala com o irmão
há mais de 10 anos decide que precisa vê-lo. Só que essa jornada ele tem que
viver só, como deixa bem claro com sua filha, só que Alvin não tem carteira de
motorista, não quer ir de ônibus nem carona e então, surpreendentemente,
resolve viajar os 500 km com seu carrinho de cortar grama.
É
claro que as pessoas ao seu redor tentam dissuadi-lo dessa decisão, que parece
- e é - absurda, mas Alvin não desiste, já que é muito teimoso, como deixa
claro em alguns momentos do filme. Ele passa por algumas provações, já no
início da viagem seu carrinho pifa, ele tem de voltar à sua cidade, mas compra
outro e segue viagem.
Nesta
viagem que dura 6 semanas, Alvin encontra várias figuras durante seu trajeto e é nesses momentos que o filme se concentra. Se em outros road-movies as pessoas
que optam em viajar sós estão em processo de aprendizado e de rever seus
valores e ressignificá-los, com Alvin se dá o contrário: não é a estrada que
ensina Alvin, é Alvin quem ensina à estrada. Ele tem consciência de sua
maturidade, carrega o fardo dos erros cometidos (como a própria briga com o
irmão, sua consciência pesada por ter matado um amigo na guerra, seu
alcoolismo) e está na estrada para ensinar, para ajudar o outro a compreender a
partir de suas próprias vivências. Esse processo, que é apresentado de maneira
muito delicada, é belíssimo em seus detalhes, seja quando encontra uma moça que
está grávida e pedindo carona para fugir, e ele lhe ensina o valor da família;
seja quando vê os gêmeos brigando e desabafa sobre a importância de ter, ao seu
lado, a pessoa que melhor lhe (re)conhece. Então o filme conta a história de
Alvin a partir da história das outras pessoas que ele encontra no caminho.
O
tempo do filme também é fabuloso, diferente de outros road-movies, como
"Easy rider" por exemplo, que a estrada é um momento de libertação,
de velocidade, aqui em "Uma história" a estrada tem a velocidade de
Alvin, seja refletida em seu próprio estado de saúde, seja na velocidade que o
carrinho pode alcançar, tudo está em equilíbrio. Se o filme tem a velocidade de
Alvin, isso proporciona ao expectador cenas lindas centradas numa ótima
fotografia dos visuais do campo dos EUA.
"Uma
história real", como a própria obviedade do nome revela, é baseado na
história real de Alvin Straight, que atravessou de trator, de Iowa à
Minnesota para ver seu irmão enfermo. O nome do filme em inglês "The
Straight Story" é bem mais interessante e sugere algumas interpretações,
todas coerentes com o filme: é o nome do protagonista; significa reto, direto,
franco e também, de algum modo, convencional, careta.
O
final do filme é sinérgico com todo o resto, Alvin finalmente encontra seu
irmão (existe uma tensão durante o filme, se ele vai conseguir terminar sua
trajetória, se o irmão estará vivo) e a cena do encontro dos dois é lindíssima.
Uma história real (The Straight
Story, EUA, 1999) ****
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