segunda-feira, 18 de março de 2013

77° - "Um corpo que cai"


Definitivamente "Vertigo - um corpo que cai" é o melhor filme de Hitchcock. Tudo bem que eu ainda não conferi toda sua filmografia, mas é um filme com tantos elementos encantadores que fica difícil de bater. Pelo visto isso não é novidade - era pra mim - já que foi eleito ano passado o melhor filme de todos os tempos, numa eleição promovida por uma revista inglesa e que envolveu mais de 800 especialistas (o eterno "Cidadão Kane" perdeu o posto, está em segundo lugar).
É difícil falar de "Vertigo" sem oferecer spoiler. Tudo bem que, assim, eu não tenho muito cuidado mesmo na hora de escrever sobre os filmes, já que o blog é terapêutico para mim, como um diário, e também porque niguém pouca gente me lê.
E "Vertigo" apresenta tantas nuances que nem sei se vou dar conta de apresentar todas aqui, é um filme que a gente vê e quer rever em seguida (eu fiz isso) para tentar apreendê-lo melhor. O filme já começa apresentando Scottie (James Stewart, que também fez "Festim diabólico" e "A felicidade não secompra") um detetive da polícia em perseguição a um bandido em telhados, ele escorrega, quase cai, e um policial acaba caindo e morrendo quando tenta salvá-lo. Scottie desenvolve então acrofobia (medo de altura) e por isso se aposenta da polícia (a imagem da vertigem dele é muito bem feita). 
Um amigo de faculdade de Scottie o contrata para investigar sua esposa Madeleine Elster (Kim Novak), já que suspeita que ela está sofrendo uma espécie de transe por conta de um antepassado. Scottie a segue e descobre seus estranhos hábitos, na floricultura, no cemitério, no museu, tudo leva à figura de Charlotta, que depois Scottie descobre ser a bisavó de Madeleine que por infortúnios da vida se matou com 26 anos, e supostamente a mulher está sob sua influência tanto em sonhos quanto acordada, quando entra em transe e adotada esquisitos comportamentos, do qual não se lembra depois.
Com medo da esposa se matar como fez a bisavó, o amigo pede a Scottie que vigie sua mulher e ele o faz, inclusive a salvando quando se joga na Baia (numa cena linda esteticamente). Depois que a salva os dois começam a se envolver e se apaixonam.
Mas a paranoia de Madeleine não impede que ela suba na torre de uma igreja e se jogue lá de cima - Scottie não consegue salvá-la, pois por conta de sua acrofobia não consegue chegar ao topo da torre. Ele fica arrasado e vai parar numa clínica por conta de uma depressão profunda.
Depois, quando sai, procura frequentar os locais onde frequentava Madeleine, a vendo no rosto de várias mulheres, até que encontra uma, que apesar de ter hábitos diferentes, é muito parecida. Ele se aproxima dela, e só depois descobrimos que Judy é, na verdade, a própria Madeleine (ou a representação dela), que o marido contratou para fingir ser sua esposa e assim matar a verdadeira esposa (a que realmente caiu da torre da igreja) sem suspeitas, já que Scottie testemunhou o suposto suicídio (ele foi contratado por conta da sua doença e por ter certeza que ele não chegaria ao topo, muito alto).
A trama é muito bem amarrada (bem diferente de Pássaros), os personagens são complexos e o jogo psicológico de Hitchcock está lá, como sempre, com magnitude.
O filme é recheado de suspenses, de cenas psicodélicas que objetivam confundir aos espectadores: o que é realidade? o que realmente está acontecendo? e assim mostra a fragilidade da nossa mente e também nossas limitações, principalmente psicológicas.
Pra mim, já que também tenho medo de altura, o filme é de dar nervoso, principalmente nas cenas de vertigem do personagem, que são muito bem feitas (eu passei parte do filme com as mãos suando de nervoso).
Pela construção dos personagens, pela história tão bem construída e contada e pelas cenas que conseguem nos mostrar tão bem o ponto de vista do protagonista, por isto tudo, "Um corpo que cai" é imperdível.
Um corpo que cai (Vertigo, EUA, 1958) *****

sábado, 16 de março de 2013

75° - "As vinhas da ira"


"Eu nunca mais terei medo. Eu tive, porém. Cheguei a pensar que estávamos perdidos. Parecia que só tínhamos inimigos nesse mundo. Como se ninguém fosse amistoso. Eu me senti mal e assustada. Como se estivéssemos perdidos e ninguém ligasse... Os ricos nascem, morrem, e seus filhos também não prestam e desaparecem. Mas nós continuamos. Somos nós que vivemos. Eles não podem acabar conosco. Não podem nos vencer. Nós viveremos para sempre, porque nós somos o povo".
(Mãe)
"As vinhas da ira" é todo de cortar o coração, é um filme duro, cru, que mostra de maneira sincera uma triste realidade: a situação dos pobres na época da depressão de 29 nos EUA. Não se engane, não espere um filme de esperança, apesar de não ter um final ruim, os problemas também não se resolvem. O filme foi baseado no livro de John Steinbeck, que fez um amplo trabalho de campo e pesquisa para sua escrita, acompanhou de fato uma família que foi despejada de sua casa e partiu para Califórnia em busca de melhores condições, mas diferente do filme, que tem uma trajetória ascendente (apesar de não ter um final feliz hollywoodiano), li que o livro é ainda mais desesperançoso.
O filme se inicia com Tom Joad (Henry Fonda) voltando para casa após cumprir quatro anos de prisão por ter matado um homem numa briga. Quando chega em casa, em Oklahoma, a situação de sua família é caótica: todos eles, incluindo vizinhos, foi despejados de suas terras por conta de grandes empresas agricultoras, e agora todos decidiram migrar para Califórnia, na esperança de encontrar trabalho e condições melhores. Assim eles partem em viagem, num caminhão com todas as coisas e toda a família (irmãos, avós, pais, tio, cunhado). Neste momento no qual se transforma em filme de estrada eles vão redescobrindo a realidade a partir tanto da estrada, quanto das paradas; eles encontram situações muito difíceis e percebem a realidade do país, são vários "caminhões casas", pessoas carregando sua vida, porque já não tem onde morar e se submetendo a qualquer condição de trabalho para não morrer de fome, é terrível. 
A família chega na Califórnia e percebe que o sonho de melhores condições de vida foi em vão, e eles têm que morar num acampamento com outra milhares de famílias que são humilhadas pelo poder público e passam fome. O trajeto continua até encontrarem um acampamento do governo onde encontram melhores condições para morar e viver.
A situação mostrada, de extrema desigualdade social, talvez nem seja tão chocante para nós brasileiros (apesar de minimizada nos últimos anos); a situação da família Joad poderia ser transportada para o Brasil, para as famílias pobres do nordeste brasileiro frente a grande riqueza de empresários do sul.
Mas se há esperança em “Vinhas da ira” ela está ao final, no lindo discurso de Tom Joad:
"Um homem não tem sua própria alma, apenas um pedaço de uma alma grande. Uma alma grande que pertence a todos. Então não importará. Eu estarei nos cantos escuros, Estarei em todo lugar. Onde quer que olhe. Onde houver uma luta para que os famintos possam comer, eu estarei lá. Onde houver um policial surrando um sujeito, eu estarei lá. Estarei onde os homens gritam quando estão enlouquecidos. Estarei onde as crianças riem quando estão com fome e sabem que o jantar está pronto. E, quando as pessoas estiverem comendo o que plantaram e vivendo nas casas que construíram, eu também estarei lá."
As vinhas da ira (The grapes of wrath, EUA, 1940) ****

sexta-feira, 15 de março de 2013

74° - "Um estranho no ninho"


Qual é a maior vilã da história do cinema? Para mim não há dúvidas: a enfermeira-chefe Ratched (Louise Fletcher) de "Um estranho no ninho", ela é muito má, e não é deste tipo que mata e fica fazendo planos mirabolantes para conquistar o mundo: ela vai nas sutilezas, nos detalhes, sempre com uma calma irônica, com um olhar debochado. Ela ainda se apropria de um grande poder que tem, faz jogos psicológicos com seus pacientes - que são considerados loucos e vivem numa clínica psiquiátrica controlada por ela - os mantendo lá; até que ponto ela tem interesse em curá-los ou mantê-los ali para saciar seu desejo de controle e poder; quem é mesmo o louco?
"Um estranho" trata de tantos assuntos delicados e pesados que é impossível não se maravilhar com a história, é chocante! Quantas vezes já vimos, na realidade, no cinema, pessoas tentando se passar por doidos para 'fugirem' da cadeia e cumprir sua pena num hospital? Para citar aqui, eu me lembrei do Johnny (do filme "Meu nome não é Johnny"). "Um estranho" começa justamente assim, Randle Patrick McMurphy (Jack Nicholson, fantástico, além de ser um ator incrível tem cara de doido mesmo, fala sério?! Só lembrar de "O iluminado") é um prisioneiro malandro, que foi preso por algazarra e estupro, que não quer saber de ter que trabalhar na prisão e então forja sua insanidade para ir a uma instituição para doentes mentais, onde passará por uma avaliação de especialistas que julgarão sua sanidade mental. 
Randle é bem malandro, não gosta de seguir ordens e tenta subverter a ordem rígida colocada por Ratched, a provocando. Junto com um grupo de mais oito pessoas, todos loucos, ele vai viver ali na clínica e desenvolve amizades. Isto porque Randle não é um cara ruim ou babaca, ele tem várias chances de fugir e não concluiu seu intuito por que: é malandro demais chegando a ser imbecil, por sua lealdade aos amigos e também, por que não? É também um pouco insano. Ele se revolta com as normas rígidas do hospital, e percebe que lá, apesar da aparência, a liberdade é ainda mais cerceada; ele tenta fugir arrancando uma grande pia do chão do banheiro, mas não tem força suficiente. Para Randle será tranquilo levar a situação e até divertido, eu me diverti bastante em várias passagens. E ele não é mole, tenta subverter a ordem todo o tempo, como quando fogem para pescar, e eles voltam, também provando que apesar de loucos eles conseguem conviver em sociedade, provando que não precisam se fechar na própria loucura.
A equipe médica atesta que Randle não é louco e pode voltar para a prisão, mas Ratched, num discurso pseudo, defende sua permanência, pois eles não podem desistir do ser humano. Balela, o que ela quer é controle, e logo Randle descobre que, se na prisão sua pena é determinada, ali no hospital ele só sairá quando a enfermeira-chefe atestar sua sanidade, ou seja... Ele resolve fugir junto com "chefe" um índio muito grande e muito forte que todos acreditavam ser surdo-mudo. A amizade de chefe e Randle é a mais bonita e a cena final do filme ("a la 'Amour'") é de arrasar, é maravilhosa: depois de sofrer uma lobotomia, pois Randle tenta matar Ratched (que provoca o suicídio de Billy Bibbit), o chefe diz a ele algo do tipo: "agora eu tenho força, você me deu isso, mas nós vamos juntos ser livres", então pega a pia pesada, joga na janela e foge ao horizonte, incrível, imperdível!
Um estranho no ninho (One flew over the Cuckoo's Nest, EUA, 1975) *****

quinta-feira, 14 de março de 2013

73° - "O banheiro do Papa"


Bem, o Papa foi escolhido, não se fala em outra coisa, há várias confabulações sobre o que o Papa já fez, o que fará. Particularmente já tive a oportunidade de opinar sobre a Igreja, mas é claro que hoje (ainda que bem menos do que já foi) o líder da Igreja Católica tem um grande poder político no nosso mundo, então é claro que me interessa saber dele, de suas predileções, de seus posicionamentos. Acho que a escolha de um Papa Argentino (primeiro da América Latina na história) é uma escolha também política, afinal nossos hermanos foram os primeiros vizinhos que, sabiamente, aprovam legitimamente um casamento entre pessoas do mesmo sexo. Sei que na época o então arcebispo, Jorge Mario Bergoglio, travou debate com Cristina Kirchner sobre o casamento entre homossexuais, e não sei até que ponto um Papa Argentino não é uma maneira de frear posições de vanguarda entre nós, porque se na América Latina a religião católica historicamente já era forte, agora então nem se fala, os católicos vão pipocar, criarão uma maior identidade com seu líder maior.
À parte dessas minhas considerações, o Papa, que usará o nome Francisco tem algumas posições que eu aprovei, ele tem recusado o excesso de ostentação da Igreja, andou de ônibus com os outros cardeais, foi pessoalmente pagar a pensão na qual estava hospedado, evitou usar vestes suntuosas, enfim, parece estar tentando se aproximar mais do povo (hum...).
Então eu bem me lembrei de "O banheiro do Papa", um filme que eu já vi não sei quantas vezes, já que eu costumo passá-lo em sala de aula para meus alunos do curso de Eventos. "O banheiro" é um filme muito bom, que mostra uma triste realidade de uma pequena comunidade de Melo, no Uruguai. A comunidade vive na pobreza e parte de seus habitantes tentam sobreviver do contrabando de mercadorias (já que a cidade faz fronteira com o Brasil, eles vão até o outro país, fazem compras e voltam).
Beto (César Trancoso) o protagonista do filme vive deste contrabando como tantos outros, e para evitar a polícia da fronteira eles têm que ir de bicicleta para fazer um desvio na estrada; os que têm condições compram motocicletas, mas são raras. Um dia Beto sofre um problema no joelho e não consegue subir os morros que são importantes para o desvio, decide arriscar e passa em frente à polícia que o revista e toma sua mercadoria. Agora Beto está sem a mercadoria e tem que devolver o dinheiro dos comerciantes locais que o contrataram.
Nesse meio tempo surge a bela noticia: o Papa João Paulo II virá à Melo e essa novidade deixa toda a comunidade agitada, a mídia insiste na notícia, e divulga que milhares de pessoas irão ao evento, o que movimentará a economia local e então várias pessoas da pequena cidade se enchem de esperança.
Largam o emprego, juntam suas economias para montar barracas de comida, bebida, souvenires e tudo o mais para o grande evento. Beto também embarca na situação, e empreendedor que é, resolve montar um banheiro, do lado de fora de sua casa, para alugar às milhares de pessoas que passarão pela cidade.
O final dá até para imaginar, a mídia fantasiou demais a situação e construiu uma falsa esperança na comunidade. No dia da visita do Papa não compareceu em Melo nem um terço dos visitantes esperados. Várias comidas desperdiçadas, várias pessoas desiludidas. E Beto também não conseguiu que seu banheiro fizesse o sucesso pretendido.
O filme é bem bacana para pensarmos em termos de divulgação dos eventos, em véspera de grandes eventos que acontecerão em nosso país, a mídia não se cansa de falar o quanto os megaeventos serão importantes para a economia, o quanto o povo brasileiro ganhará com a divulgação do país. Mexem com nosso brio, com nosso orgulho nacional. Mas quem será que sairá realmente vitorioso nesses eventos? O povo? 
No meio deste ano acontecerá no Rio de Janeiro a "Jornada Mundial da Juventude", primeiro evento internacional do Papa Francisco. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.
O banheiro do Papa (El baño del Papa, Uruguai, 2007) ***

quarta-feira, 13 de março de 2013

72º - "Argo"


Argo, vencedor do Oscar de melhor filme este ano, tem tudo para ser um filme clichê: conflitos políticos entre EUA e algum país do Oriente Médio, como retaliação aos EUA o país faz reféns americanos e um herói nacional sozinho, com um plano mirabolante, entra no país hostil para salvar seus compatriotas. Vamos reconhecer que não é a primeira vez que vemos algo do tipo no cinema americano, desses filmes que são feitos para ressaltar o patriotismo, a identidade nacional. Mas peraí, Argo tem algo diferente, além de ser baseado numa história real (eu vi depois os extras e realmente o caso é fantástico), ele justifica sua importância nos primeiros 3 minutos de filme, aqueles introdutórios que vão explicar porque um país pequeno no Oriente Médio (mas muito rico em petróleo) tem tanto ódio dos EUA e aí, realmente, Ben Affleck e companhia limitada conseguiram um feito: a culpa é claramente do próprio EUA, sua ganância econômica e política, seu descaso com outra nacionalidade, com outro povo. E então quando o povo do Irã faz refém mais de 50 americanos que trabalhavam na embaixada e a gente entende, é justificável. A situação humanamente é terrível, mas a única coisa que eles querem é que os EUA extraditem o xá, responsável por anos de muita crueldade, e que agora se trata de um câncer na terra dos ianques; justo, eles querem um julgamento com a mesma justiça que lhes foi confiado, enquanto povo, durante tantos anos.
E se a gente tá cansado de ver, e de tentar entender, os fundamentalistas desses países, o filme explica: no caso do Irã todo radicalismo do povo foi construído pelo próprio EUA. "Em 1950 o povo do Irã elegeu Mohammad Mosaddegh, um democrata, como primeiro-ministro, ele nacionalizou holdings de petróleo britânicas e americanas, devolvendo o petróleo do Irã ao seu povo. Entretanto três anos depois, EUA e Grã-Bretanha maquinaram um golpe de estado que depôs Mosaddegh e instalou Reza Pahlavi como xá. O jovem xá era conhecido por opulência e excessos. Havia rumores que sua esposa de banhava em leite, enquanto seus almoços vinham de Paris num Concorde. O povo morria de fome. O xá matinha o poder através de sua cruel polícia, com tortura. Também iniciou-se uma campanha para ocidentalizar a população, o que enfureceu alguns xiitas, e em 1979 o povo do Irã depôs o xá. O aiatolá Khomeini, clérigo exilado, voltou para governar o Irã." O povo, claro, cheio de revolta com seu passado recente de opressão e violências (física, política, cultural) resolveu fazer justiça com as próprias mãos. Neste universo eles se tornaram ainda mais xiitas, procurando defender seu patrimônio, e depois de mais de 20 anos vivendo na violência, eles simplesmente a continuaram, estabelecendo um poder também autoritário, mas agora no controle do próprio povo (bem, é ruim de qualquer jeito, mas ainda acho que pelo menos está nas mãos do povo o que é do povo), tem como culpá-los? Se foi o próprio 1º mundo quem construiu essa cultura da opressão e do medo?
Mosaddegh pediu asilo nos EUA e foi aceito, claro. Mas o povo iraniano queria fazer a sua justiça, e protestava em frente à embaixada americana, até que certo dia a invadiram, fizeram reféns, cuja liberdade estava condicionada à volta de Mosaddegh, foram 444 dias de cativeiro.
Acontece que 6 desses americanos conseguiram fugir, e se refugiaram na casa do embaixador canadense. A situação deles era pior que a dos outros colegas, já que a mídia de todo o mundo estava de olho na embaixada. Então, temendo a situação desses 6 americanos, Tony Mendes (Ben Affleck) perito em "exfiltração" é incumbido de pensar num plano para capturar seus compatriotas. Como todos os outros planos parecem improváveis na atual situação extremista do Irã, Mendes pensa na mais mirabolante de todas: fingir que o grupo está no Irã para procurar um local de locação para um filme de Hollywood. Para dar veracidade ao plano, “Argo”, nome do filme escolhido cujo roteiro prevê uma ficção científica num lugar do Oriente Médio, é pré-produzido em Hollywood, com destaque da mídia. 
Argo, cuja ênfase está em Tony Mendes e em suas ações (há pouco destaque para os reféns, todos e também os 6 que serão resgatados) é também um meta-filme, já que fala dos bastidores de Hollywood, para produção de um filme e esta parte é bem interessante. O filme é também muito tenso e bastante didático, digo isso porque eu consegui compreender totalmente suas discussões e geralmente sou bem lerda para filmes da CIA ou FBI com diálogos rápidos sobre espionagem e não-sei-o-que-mais.
E Tony Mendes realmente merecia um filme e quiçá um Oscar, o cara foi valente demais, aparecer sozinho no Teerã, para capturar os 6 reféns, num país completamente hostil e correndo muitos riscos.
O filme é também muito bom esteticamente, no figurino, nas cenas, até nas cores, realmente nos remete para a época retratada. E apesar de ter adorado “Lincoln” e a atuação de Daniel Day-Lewis, “Argo” é melhor, não na história em si, mas por fazer uma crítica ácida ao próprio país do Oscar, e ter vencido apesar disso foi incrível. De um lado o mito do que é ser americano, com o presidente mártir, de outro uma crítica ferrenha ao que é preciso fazer para se manter no poder, sem justificativas. Eu também prefiro “Argo”.
Argo (EUA, 2012) ****

terça-feira, 12 de março de 2013

71º - "Habemus Papam"


Se você tiver tempo e ligar a TV hoje, por um minuto sequer, ou espiar sites de notícias, ou passar por bancas de jornal vai saber: o assunto mais comentado do dia é o conclave que elegerá o novo Papa, após a renúncia de Bento XVI. E, desde sua renúncia no início de fevereiro, "Habemus Papam" se tornou um filme comentado, não é à toa visto as grandes semelhanças entre a ficção e nossa atual realidade. Eu vi "Habemus" já há algum tempo e já tinha gostado muito dele. Tenho que confessar aqui que não simpatizo com a Igreja - apesar de respeitar quem a segue - sua ostentação, sua história, o que defende... Nem acho que Bento XVI tenha ajudado, tornou a Igreja ainda mais conservadora, reafirmou valores pregados que são absurdos hoje em dia, como o não uso da camisinha, a contrariedade da homosexualidade, enfim, quando conversava com o Digo e dizia: "mas que absurdo essa conclave, não tem nenhuma madre? Só homens!" e ele me respondeu: "você vai perder tempo refletindo sobre os valores católicos?", realmente, não faz sentido... Apesar de ter a minha fé em Deus e até em alguns santos, vejam só, eu parei de frequentar missas - eu tenho uma alma católica que a minha família tratou de moldar e que está em mim, como um "Anjo do Lar" de Virgínia Woolf - quando era criança, quase adolescente, e o padre nervoso, jogou um vaso de plantas ao chão, e disse que quem não dava dízimo não ia pro céu. Pronto, foi definitivo pra mim, o meu Deus não é punitivo, é um Deus tolerante, um Deus de amor. 
Só estou dando esta volta toda porque, diante de toda essa minha falta de entusiasmo pela Igreja eu posso dizer que - apesar de saber que não foi sua intenção - o roteirista/ator/diretor Nanni Moretti conseguiu produzir um filme que me deu até certa simpatia com relação à religião; isso porque ele focou em algo difícil de não gostar: que apesar de toda ostentação, riqueza, protocolo, valores e regras, as pessoas que ali estão são extremamente humanas, com suas delicadezas, seus erros e acertos, suas certezas e dúvidas. E isto não está apenas na figura central do filme, o cardeal votado Melville, mas em todos ao redor. A cena inicial é apaixonante: estão todos seguindo o rigor protocolar do conclave, os mais de 100 cardeais indo à sala de votação, devidamente trajados, cantando, envoltos pela mídia, até aí tudo esperado; então eles se sentam para votar, estão todos lá, os mais cotados, os com mais visibilidade, todos em momento de silêncio votando até que, por algum instante, nós espectadores viramos Deus e ouvimos todas as preces daquela sala, todos os cardeais orando e pedindo ao senhor: "Eu não, meu Deus, eu não", "Eu, não, meu Senhor. Não me escolha", "Eu não, eu não Senhor, eu Lhe rogo"... E alguém vai dizer o contrário? Tudo bem que ser Papa é ter um dos cargos mais poderosos do mundo, mas com extrema responsabilidade, deveres, que vão além de questões políticas, envolvem a expectativa e fé de milhares, o Papa é como um santo, glorificado, seguido pelos fiéis com devoção. Sei lá, é difícil encarar. 
O conclave não nomeia seu Papa na primeira eleição, mas logo chega ao escolhido, o fofo Melville (Michel Piccoli). A cena na qual ele é o escolhido é linda, todos emocionados, ele também, feliz... Mas daí vem a pergunta fatídica: "Aceita sua indicação canônica para Sumo Pontífice?", a partir daí a ficha cai para Melville, que tem uma crise de pânico na hora de se apresentar oficialmente aos fiéis da praça. Melville é um senhor simples, não lida bem com o poder que lhe deram, assim que se veste de Papa e todos se curvam, ele tem dificuldades em aceitar, e todos os outros rituais esperados de um Pontífice.
A partir daí a Igreja tem que lidar com um comportamento não previsto em seu protocolo rígido: um escolhido que não quer assumir. Melville entra então numa crise existencial que todos os cardeais e envolvidos tentarão contornar. Para isso convidam Brezzi (Nanni Moretti) um psicanalista famoso, para ir ao Vaticano tentar solucionar os problemas do Papa, a cena é divertidíssima, Brezzi tenta realizar uma consulta com Meliville, mas todos cardeais estão em volta, apesar de psicanalista não pode falar em sexo, da mãe, da infância, o que limita a praticamente nada sua ajuda... Mas Brezzi tem que ficar confinado, juntos com todos os cardeais, já que o segredo do novo Papa tem que ser mantido.
A segunda metade do filme é menos interessante, mais arrastada, Melville vai à cidade consultar a ex-esposa de Brezzi, também psicanalista, e depois da consulta dá um jeito de fugir dos seguranças, está sozinho na cidade, frequenta lugares que nunca mais conseguirá frequentar enquanto Papa, como um bar, um hotel modesto, um teatro... Passar incólume entre as pessoas, caminhar sozinho, só com seus pensamentos, ahh a liberdade!!! Melville fala, em alguns momentos, sobre a vontade de ser ator, que carrega desde menino, uma profissão tão próxima à que está prestes a assumir, que envolve atuação, discursos, falar em público, aparecer na mídia; e é o que faz ao final do filme, num discurso comovente no qual diz, com sinceridade, sobre suas limitações, e renuncia em sua primeira aparição como Papa.
Mas as humanidades de "Habemus" não param por aqui, no próprio convívio do Vaticano os cardeais se despem de toda solenidade, fumam, fazem exercício, jogam cartas, são viciados em remédios para dormir, participam de um torneio de vôlei. Sei que essa deveria ser uma visão pessimista, uma crítica ácida do diretor italiano, mas para mim, se toda essa humanidade fosse revelada, a Igreja teria mais dias de glória.
Habemus Papam (Itália, França, 2011) ***

segunda-feira, 11 de março de 2013

70° - "Barbara"


Eu estava super entusiasmada para assistir "Barbara" porque li, há algum tempo atrás, antes de estrear, que era muito parecido com "A vida dos outros" e sim, o tema é bem próximo, existe algumas angústias parecidas, mas "Barbara" não chega perto da grandeza de "A vida".
Barbara é uma médica que em 1980 vive no lado oriental da Alemanha, mas seu namorado vive na parte ocidental. O governo suspeita então que Barbara tente fugir para o lado ocidental e então a pune, transferindo-a para uma cidade do interior, onde trabalhará no hospital local e viverá num apartamento totalmente supervisionado. É claro que Barbara está revoltada com a situação e com a maneira na qual é tratada, como uma prisioneira, como uma bandida e não tem nenhuma boa vontade com o novo trabalho, com o novo local, com as novas pessoas, já que suspeita de todos.
Seu chefe, André (Ronald Zehrfeld) é um cara cheio de gentilezas, oferece carona, a ajuda com um piano desafinado (e provavelmente sua única fonte de lazer), tenta se aproximar. Mas Barbara está desconfiada, não sabe se André é apenas um cara gentil, ou uma pessoa a serviço do governo que está se aproximando para colher informações. Não só Barbara tem esse sentimento, nós também, espectadores, ficamos sem saber de suas reais intenções (é claro que eu, "Pollyanna" como sou, já estava super acreditando na boa vontade e gentileza de André).
Aliás, Barbara é um filme cheio de sugestões, as coisas dadas são muito mais sugeridas do que ditas e nós temos que formar nossas opiniões com o pouco que temos, assim como os personagens, o que imprime um pouco de suspense ao filme, como nas cenas nas quais ela anda de bicicleta pela floresta, pela estrada de terra.
O namorado de Barbara, Jorg, vem visitá-la com certa regularidade e planeja sua fuga para o outro lado. Ao mesmo tempo em que ele é um homem bonito, gentil e apaixonado, deixa claro para ela que lá, do outro lado, não precisará trabalhar, porque ele tem dinheiro suficiente para os dois (ãh?!).
Nesse ínterim Barbara começa a se encantar por André (quem não?) e eu creio que enxergar a diferença entre seu namorado, aparentemente um empresário bem sucedido, contra um médico bem intencionado, que não é rico, mas que acredita em seu povo. Ao contrário de Barbara, André não fala mal do regime em nenhum momento, Barbara é parcial, detesta o lugar onde mora, local onde todos são suspeitos e à mercê de vários tipos de violência (o filme tem duas cenas nas quais um responsável pela supervisão vai à casa de Barbara, revira todas as suas coisas à procura de provas e uma mulher vai fazer um exame em seu corpo, terrível).
Neste sentido acho Barbara mais parcial que "A vida dos outros", que mostra a Alemanha Oriental de um jeito mais sutil, mas não menos visceral.
Em "Barbara" nós vemos a brutalidade com a qual certas pessoas são cuidadas, como é o caso da menina que Barbara cuida no hospital, grávida (provavelmente vítima de abuso) e que trabalha no campo em situações lastimáveis.
No final, que é também sugerido (eu gostei) o que vence é o amor, tanto o conjugal, quanto o do afeto pela menina que Barbara 'salva' em seu lugar, e é muito bonito, mas também bem mais previsível.
Barbara (Alemanha, 2012) ***

domingo, 10 de março de 2013

69° - "Invasões bárbaras"

Em "Declínio" os intelectuais preocupados com outras questões, dão pouco - ou nenhum - valor à família convencional, e principalmente aos filhos. Rémy quase não fala dos filhos e Pierre deixa claro sua atitude egoísta e sua opção por não ser pai. Daí que "Invasões bárbaras" começa com Rémy muito doente, hospitalizado, e sua ex-esposa (Louise) tendo que ligar para o filho Sébastien, que mora em Londres, para que venha cuidar do pai. Parece um "tapa de luvas" e realmente é, Rémy tem que lidar com um filho que não respeita e admira, que nunca leu um livro na vida e é um capitalista selvagem; o filho, por outro lado, nega tudo que venha do pai, como seu espírito socialista, seu estilo de vida. O que resultará disso é meio óbvio e bem parecido com "Peixe grande e suas histórias maravilhosas", ambos centrados na relação desastrada de pai e filho, o pai está doente, em estado terminal, e o filho volta para resgatar, para dar a última chance. Claro que grande parte deste resgate se deve às mães, de ambos os filmes, e em "Invasões" Louise dá um show quando o filho, nem um pouco disposto a cuidar do pai (quem pode culpá-lo?!) lhe descreve toda a atenção que o pai lhe deu, as fraldas que trocou, quando o embalou na infância, cuidou dele nas doenças, enfim, acho que só comprova a teimosia masculina, que muitas vezes nem a paternidade pode dar conta.
Mas durante o filme ocorrem algumas transformações, e o filho de Rémy, apesar de nem um pouco voltado para a vida acadêmica, se mostra um filho dedicado e faz de tudo para que seu pai tenha conforto e alegrias, é bonito de ver; claro que com a quantidade de dinheiro que tem fica mais fácil ser generoso, mas não diminui seu gesto. A cena final dos dois é lindíssima, quando Rémy diz ao filho: "sabe o que lhe desejo? Um filho como o meu!".
Contudo "Invasões" é muito além disso, é um filme belíssimo, muito sensível e, outrossim, extremamente pessimista, em todos os sentidos. Se em "Declínio" vemos um grupo de amigos "intelectualmente tediosos", com seus valores e certezas, em "Invasões" percebemos o quanto a velhice pode ser cretina e jogar na cara um monte de certezas; o melhor exemplo é Pierre, que era um solteiro inveterado, que amava amar as mulheres, não queria ter filhos, centrado na sua inteligência, e agora é casado com uma jovem, burra e fútil, tem duas filhas pequenas e se submete aos desejos da mulher, é outro homem, mais desencantado. O mesmo com Diane, que continua fervorosa sexualmente, mas se afastou das filhas, e até com Dominique, que desistiu dos homens. O único que parece melhor é o querido do Claude, que já em "Declínio" era o mais boa praça e agora mora em Roma, é bem sucedido profissionalmente e no amor.
Mas as desesperanças não estão apenas ali, nos que ditavam certezas e arrogâncias no primeiro filme, os jovens também não oferecem nenhuma esperança no futuro (como diz Rémy "não entendemos o passado, como podemos prever o futuro?”). Finalmente a própria morte, na qual gira todo o filme, é uma desilusão, Rémy lida com sinceridade sobre a perspectiva de sua morte, e nas conversas com Nathalie (filha de Diane que lhe injeta heroína) estão as melhores reflexões:
"- É paradoxal, quando envelhecemos é que nos apegamos à vida... Me restam 20 anos, 15 anos, 10... Quando sabemos que é a última vez que fazemos alguma coisa, é a última vez que compro um carro, a última vez que vejo Gênova, Barcelona [...] Não quero deixar a vida. Não pode imaginar como a amei.
- E o que tanto amou?
- Tudo. O vinho, os livros, a música, as mulheres, principalmente as mulheres.
- Mas não é a sua vida atual que não quer deixar. É a sua vida passada. E essa já está morta."
Se em "Declínio" a origem do nome está atrelada à questão da felicidade, em "Invasões" quem explica é Alain (em sua única aparição no filme), quando está na TV dando uma entrevista sobre 11 de setembro: "Historicamente o número de mortos no ataque é insignificante, para citar um exemplo americano morreram 50 mil pessoas na batalha de Gettysburg. Mas o que é significativo, como diriam meus antigos professores, é que, dessa vez, o coração do império foi atingido. Nos conflitos anteriores, Coréia, Vietnã, a Guerra do Golfo, o império havia conseguido manter os bárbaros além de seus limites, de suas fronteiras. Nesse sentido talvez nos lembremos, e insisto no talvez, de setembro de 2001 como o começo das grandes invasões bárbaras."
E é irônico que o império cujo declínio é anunciado em 1986 (17 anos antes de "Invasões") é aquele que tem a melhor infraestrutura de saúde para cuidar de Rémy - apesar de cara, o que não é problema para o filho - e ambos têm que cruzar a fronteira para o tratamento (bem diferente de Sicko, do Michael Moore, onde as pessoas fazem o caminho inverso, atravessam dos EUA para o Canadá).
E apesar de ser um filme belo é também um filme triste, um filme de saudade. As cenas finais, gravadas na mesma casa de campo onde foi gravado "Declínio" mostra como foi valioso reunir os mesmos atores para fazer esse filme, tanto tempo depois. Apesar de todo pessimismo, se existe alguma esperança ela está na família, ou mais que isso, na amizade.
Invasões bárbaras (Les invasions barbares, Canadá, 2003) ****

sábado, 9 de março de 2013

68° - "O declínio do império americano"


Dominique (Dominique Michel) é professora do departamento de história da universidade de Montreal e escreveu um livro sobre a felicidade. Sua tese é a de que a noção de felicidade individual tende a crescer ao mesmo tempo em que diminui a glória de uma nação. Em uma civilização que encontra sua glória, o desenvolvimento coletivo é mais importante que o individual, do que satisfações imediatas. Um exemplo? O casamento. Nas sociedades estáveis o casamento é uma troca econômica, política, ou seja, uma união nada tem a ver com escolhas individuais, com amor; agora de acordo com a historiadora, analisando nossa história, a noção de amor conjugal surge, em Roma no século 3, quando o império desaba, na Europa no século 18, quando próximo à Revolução Francesa a partir da ideia rosseauniana de felicidade. Então sua questão é: o desejo de felicidade individual que observamos não estaria ligado ao declínio do império americano que vemos hoje? (me lembrou Bauman em "A arte da vida").
O início do filme já traz uma questão boa demais pra gente pensar, mas "O declínio" não para por aí, se a felicidade individual está atrelada ao declínio de uma nação, vemos no filme um grupo que prioriza, de maneira egoísta, sua própria felicidade. Na maioria intelectuais, professores de história, mais velhos, o grupo é formado por 4 homens (Rémy, Pierre, Claude, Alain) conversando numa cozinha, em um lugar lindíssimo, enquanto cozinham, e 4 mulheres (Louise, Dominique, Diane, Danielle), conversando num clube, enquanto malham, fazem sauna, piscina... A metade do filme é mostrando um paralelo entre as duas conversas, mostrando as diferenças nas questões de gênero quando o assunto é amor, sexo, relacionamento. Aqui as mulheres também têm desejos, que são assumidos, mas as relações entre eles são cínicas, dos 8, 4 formam dois casais, sendo um casado há 15 anos, mas isso não impede que o marido a traia loucamente, inclusive com as amigas do grupo. Nesse ponto o filme é um pouco desanimador, quando os homens falam das dificuldades em conviver com mulheres, exaltando os homens e a sorte de Claude (que é um deles, um amigo querido que é gay e está doente). Mas quando Pierre conversa com Alain (que é um garoto, o mais novinho de todos) a sós ele tenta dizer ao garoto que ele ainda vai ambicionar muito na vida, vai querer um doutorado, comprar um apartamento, sonhar em escrever um livro importante, e então perceberá que não conseguirá ser tão importante quanto alguns autores, e o que lhe restará será o sexo ou o amor, e Pierre: "no fundo, não sei o que me resta. Por isso o vício vem com a idade"; a necessidade de ser importante para alguém, de não ser só.
Lá na metade do filme todos se encontram, homens e mulheres, e aí o filme fica bem mais interessante, eles que são amigos, e têm casas no campo próximas, se sentam para comer, conversam sobre questões como a solidão, filhos, gênero (Diane afirma que, por ter se apaixonado, casado, optado por ter filhos, hoje não conseguiu um doutorado e ganha um quinto do que ganham os homens da mesa). Eles caminham, discutem a questão da felicidade, das escolhas profissionais ou de tema para estudo (a gente sempre estuda temas que dizem muito sobre nós, sobre nossa culpa) e nós, espectadores, ficamos o tempo todo com a sensação: "agora alguém vai falar, alguma coisa vai acontecer" e em algum momento eles acabam falando suas verdades e o cinismo cai.
"O declínio" é um filme fantástico, com excelentes diálogos e questões levantadas sobre o indivíduo, e também sobre um grupo.
"Os sinais do declínio do império estão por toda parte. A população despreza suas próprias instituições, a queda da natalidade, a recusa dos homens em servir ao exército, a dívida nacional incontrolável, a diminuição das horas de trabalho, a invasão do funcionalismo, a degeneração das elites. Com a destruição do sonho marxista-leninista não há nenhum modelo de sociedade do qual dizer: 'é assim que gostaríamos de viver'. Como no plano provado, a menos que seja místico ou santo é quase impossível moldar sua vida a partir de um exemplo à sua volta. Vivemos um processo geral de dissolução de toda a existência."
O declínio do império americano (Le déclin de l’empire Américain, Canadá, 1986) ****

sexta-feira, 8 de março de 2013

67° - "Thelma & Louise"


Hoje é dia internacional das mulheres, recebi muitos parabéns pela rua, mas é triste perceber que grande parte das pessoas, das mulheres, não tem consciência do que este dia representa, por que ele existe. A data tem a ver com a origem de manifestações de mulheres russas por melhores condições de trabalho, e embora seja clichê afirmar, no dia das mulheres eu não quero receber rosa na rua ou abraços de parabéns, eu quero receber respeito das pessoas, consciência das diferenças de gênero, mas da igualdade de tratamento, seja na vida social, na vida profissional. Eu tenho a sorte de viver rodeada por homens feministas como meu pai, meu marido, amigos, mas mesmo assim eu, que sou professora concursada, já me peguei olhando pra parede da sala de reuniões na instituição federal na qual leciono e vendo as fotos de todos os diretores que a instituição já teve, e não ter uma mulher sequer. Eu posso dizer que, infelizmente, por ser mulher e ser nova, muitas vezes fui menosprezada nas reuniões com maioria absoluta de homens, fui chamada de "minha filha", fui marginalizada. Para mim, na minha realidade, o machismo aparece em pequenos detalhes nos discursos do dia a dia, nas escolhas, nos silêncios. Então sim, vivemos numa sociedade machista e apesar de não ser militante, sou feminista de coração (enquanto o machismo prega a superioridade masculina o feminismo não é o contrário, não prega a superioridade feminina, mas a igualdade de tratamento entre os gêneros).
Sendo assim, minha homenagem ao dia das mulheres é apresentar o filme que considero um filme feminino e feminista. "Thelma & Louise" é um filme que já, desde a cena inicial, mostra a que veio, é a cena com uma paisagem bucólica muito bonita e uma estrada de terra, a cena que é apresentada vazia será reapresentada ao final do filme, no momento de perseguição da polícia. Logo depois já corta para a cena que apresenta Louise (Susan Sarandon), que é uma garçonete independente, organizada e amiga de Thelma (Geena Davis), que é uma mulher desorganizada, infantil e casada com um cara que é praticamente uma caricatura, se infelizmente a gente não soubesse que realmente existem maridos assim: além de tratar com descaso Thelma ele acha que ela é sua posse, um objeto (quando Thelma fala à Louise que tem que pedir permissão ao marido ela lhe pergunta: "ele é seu marido ou seu pai?").
Louise convida Thelma para passar o fim de semana no chalé de um gerente que está para se divorciar e empresta a casa para amigos antes de vendê-la, Thelma parte com Louise sem avisar ao marido. Então o filme se torna oficialmente um road-movie, e apesar de haver nele seus principais elementos: a estrada como uma metáfora para a transformação, é um road-movie centrado na fuga: num primeiro momento elas estão fugindo da vida, do marido e namorado, e depois literalmente fugindo da polícia.
Isso porque ao pararem num bar para beber um pouco e relaxar antes de seguir viagem, Thelma e Louise conhecem Harlan, um cara aparentemente com boas intenções, que se interessa por Thelma, lhe paga bebidas, a leva para dançar, mas quando ela se sente mal vai com ela pra fora do bar, no intuito de lhe ajudar, e tenta estuprá-la; quando ele está prestes a consumar o ato, Louise chega armada, ele larga Thelma e quando ambas estão indo embora ele lhe fala algumas bobagens - dessas que, infelizmente, não são novidades - do tipo "chupa meu pau"... e ela atira, é um êxtase!
Depois do acontecido Thelma tenta persuadir Louise a procurar a polícia para relatar o acontecido, mas ela já lhe garante: "ninguém acreditará em nós, você estava dançando com ele, ninguém acreditará que ele tentou te estuprar", taí uma verdade jogada na tela, muitas mulheres que são vítimas de violência sexual ainda levam a culpa, a vítima nunca é culpada, nem por sua roupa, nem por sua atitude: uma mulher pode estar nua ao lado de um homem e se disser não e o cara seguir em frente usando a força, contra a vontade da mulher, ainda assim será estupro, nada justifica um estupro além da própria maldade do estuprador!
Então as amigas precisam começar a pensar num plano de fuga que vai levar ainda em muitas confusões, é claro que a gente se simpatiza com Louise de cara, porque ela é forte, decidida, mas o melhor papel é de Thelma, ela sofre uma metamorfose radical no filme, se no começo era infantil, boba, inocente (chega a dar raiva, porque depois que ela sofre a violência sexual ainda dá mole com JD - Brad Pitt), mas depois ela se transforma depois que ela se resolve sexualmente (tem seu primeiro orgasmo com JD) ela se torna decidida, positiva, e troca de lugar com Louise, é muito bacana de ver.
No filme absolutamente feminino (o único Oscar que ganhou foi de melhor roteiro original, escrito por uma mulher) os poucos homens que aparecem são o gatilho de toda modificação (e confusão) que as amigas sofrem: seja o namorado de Louise, o marido de Thelma, Harlan, JD. O único homem que tem uma empatia com a situação delas é o policial Hal (Harvey Keitel). E ainda tem a ótima cena na qual elas explodem o caminhão, pode até ser exagerado, mas combina com o contexto e desenvolvimento do roteiro e, sinceramente, o caminhoneiro mereceu, é uma catarse para todas nós que já nos sentimos, em algum momento da vida, intimidadas por homens que passam por nós na rua falando palavras chulas, fazendo gestos obscenos (e sim isso é para intimidar, ou eles acreditam que nos convencerão a fazer sexo?). Nesse processo delicado de transformação o final não poderia ser melhor e mais bonito, porque infelizmente na vida delas e na postura que assumiram elas não tinham escolha, mas para nós, expectadoras, fica a esperança de que o conhecimento, que a consciência da nossa situação, é o principal fator de mudanças, viva as mulheres!
Thelma & Louise (EUA, 1991) *****

quinta-feira, 7 de março de 2013

66º - "Uma história real"


Quando li as poucas críticas sobre "Uma história real" estavam todas, sem exceção, centradas na direção de David Lynch, um diretor surrealista que, neste filme, opta por uma narrativa linear, um filme calmo e sem grandes surpresas, com exceção da própria história em si: Alvin Straight (Richard Farnsworth, que concorreu ao Oscar pela atuação no filme) é um senhor com 73 anos e saúde debilitada, tem problemas no quadril (e por isso anda com duas bengalas), na vista e nos pulmões, mora com a filha (Rose, interpretada por Sissy Spacek) numa cidadezinha  em Iowa. Acontece que ele fica sabendo que seu irmão Lyle (Harry Dean Stanton) sofreu um derrame e Alvin, que não fala com o irmão há mais de 10 anos decide que precisa vê-lo. Só que essa jornada ele tem que viver só, como deixa bem claro com sua filha, só que Alvin não tem carteira de motorista, não quer ir de ônibus nem carona e então, surpreendentemente, resolve viajar os 500 km com seu carrinho de cortar grama.
É claro que as pessoas ao seu redor tentam dissuadi-lo dessa decisão, que parece - e é - absurda, mas Alvin não desiste, já que é muito teimoso, como deixa claro em alguns momentos do filme. Ele passa por algumas provações, já no início da viagem seu carrinho pifa, ele tem de voltar à sua cidade, mas compra outro e segue viagem. 
Nesta viagem que dura 6 semanas, Alvin encontra várias figuras durante seu trajeto e é nesses momentos que o filme se concentra. Se em outros road-movies as pessoas que optam em viajar sós estão em processo de aprendizado e de rever seus valores e ressignificá-los, com Alvin se dá o contrário: não é a estrada que ensina Alvin, é Alvin quem ensina à estrada. Ele tem consciência de sua maturidade, carrega o fardo dos erros cometidos (como a própria briga com o irmão, sua consciência pesada por ter matado um amigo na guerra, seu alcoolismo) e está na estrada para ensinar, para ajudar o outro a compreender a partir de suas próprias vivências. Esse processo, que é apresentado de maneira muito delicada, é belíssimo em seus detalhes, seja quando encontra uma moça que está grávida e pedindo carona para fugir, e ele lhe ensina o valor da família; seja quando vê os gêmeos brigando e desabafa sobre a importância de ter, ao seu lado, a pessoa que melhor lhe (re)conhece. Então o filme conta a história de Alvin a partir da história das outras pessoas que ele encontra no caminho.
O tempo do filme também é fabuloso, diferente de outros road-movies, como "Easy rider" por exemplo, que a estrada é um momento de libertação, de velocidade, aqui em "Uma história" a estrada tem a velocidade de Alvin, seja refletida em seu próprio estado de saúde, seja na velocidade que o carrinho pode alcançar, tudo está em equilíbrio. Se o filme tem a velocidade de Alvin, isso proporciona ao expectador cenas lindas centradas numa ótima fotografia dos visuais do campo dos EUA.
"Uma história real", como a própria obviedade do nome revela, é baseado na história real de Alvin Straight, que atravessou de trator, de Iowa à Minnesota para ver seu irmão enfermo. O nome do filme em inglês "The Straight Story" é bem mais interessante e sugere algumas interpretações, todas coerentes com o filme: é o nome do protagonista; significa reto, direto, franco e também, de algum modo, convencional, careta.
O final do filme é sinérgico com todo o resto, Alvin finalmente encontra seu irmão (existe uma tensão durante o filme, se ele vai conseguir terminar sua trajetória, se o irmão estará vivo) e a cena do encontro dos dois é lindíssima.
Uma história real (The Straight Story, EUA, 1999) ****

quarta-feira, 6 de março de 2013

65° - "O dorminhoco"



"Estou com dor de hostilidade e uma enxaqueca. Não vejo o meu psiquiatra há 200 anos. Ele era estritamente freudiano.... se tivesse esse tempo todo estaria curado agora."

Em "O dorminhoco" Woody Allen não só dirigiu, como interpretou o protagonista, escreveu o roteiro e compôs a trilha sonora, fala aí se ele não é incrível? E o filme é uma delícia de ver, super divertido, de um jeito que o Woody não é mais, meio pastelão, mas sempre, sempre com diálogos afinadíssimos. Aliás, os diálogos travados em "O dorminhoco" são tão bons que eu gostaria de transcrevê-los aqui, mas isso tomaria um tempo e dedicação que infelizmente não tenho no momento, são sempre em tons de humor, mas um humor ácido, sarcástico, que eu adoro!
No filme Miles Monroe é um novaiorquino, que toca clarinete e tem um restaurante natureba em 1973, ele precisa fazer uma operação simples, por conta de uma úlcera, só que ocorre um imprevisto, a equipe médica o "congela" e ele acorda 200 anos depois, em 2173. No futuro, como visto em outros filmes, a sociedade vive sob a guarda do "líder" num regime totalitário, já que as maravilhas da tecnologia serviram para controle da população - a identidade é totalmente controlada via tecnologia, digitais, fotos, mapeamento do que você pensa - e neste processo quem pensa diferente do previsto é capturado pela polícia para ter seu cérebro "simplificado eletronicamente".
Mas no futuro de Allen não há apenas coisas ruins, os hábitos alimentares, por exemplo, são nosso (meu) sonho de consumo: quando Miles Monroe acorda e pede no café da manhã germe de trigo, mel orgânico e barra de proteína a médica assusta, mas seu colega logo lhe explica,
""-Essas eram substâncias que no passado acreditava-se terem propriedades saudáveis.
- Quer dizer que não havia gordura pesada? Nem bife ou tortas ou calda de chocolate?
- Acreditava-se que isso não era saudável, precisamente o oposta da realidade."
Ahh, que delícia, nessa hora eu já estava convencida a me congelar e poder comer chocolate e torresmo à vontade... Mais tarde, quando Monroe conhece sua realidade, entra num colapso histérico e o médico lhe recomenda que fume um cigarro, pois é uma das melhores coisas para a saúde...
Além de cômico, o futuro de Allen é desses bem robotizados, com alta tecnologia, até o orgasmo é obtido numa máquina, já que todos os homens e mulheres são frígidos. Ainda há outros elementos, como uma bola que é como uma droga que passa de mão em mão, roupas flutuantes, carros como cápsula, etc.
Os médicos que "descongelaram" Monroe o fizeram por um motivo: fazer com que ele - que não tem sua identidade controlada - se junte aos rebeldes e ajude a fazer cair "o líder". Neste processo ele conhece Luna (Diane Keaton, lindíssima) que é uma pseudo intelectual, pseudo artista (como existem tantos por aí), poetisa, mas na verdade é fútil, só vive de festas, não questiona sua realidade e julga quem o faz (é graduada em poesia e técnicas sexuais e doutora em sexo oral, mas só faz sexo na máquina!!), mas seu encontro com Miles a faz perceber sua verdade e se unir ao grupo de rebeldes até o final que ela se junta à Miles, sorri e diz algo do tipo, 'eu vejo que você me ama de verdade, mas os relacionamentos não duram, existe um hormônio, já comprovado, que impede que o romance dure'. Mas para Miles não há problemas, pois não confia na ciência, nem na política, tampouco em Deus, acredita apena no sexo e na morte. Viva Woody, meu coração é seu!
O dorminhoco (Sleeper, EUA, 1973) *****