sexta-feira, 28 de junho de 2013

81º - "E se vivêssemos todos juntos?"

Há poucos anos Woody Allen, ao lançar um filme, deu algumas declarações divertidas sobre envelhecer, para ele a velhice é um mau negócio: "você não fica mais esperto, não fica mais sábio, não fica mais doce ou mais amável. Nada acontece de fato. Suas costas doem mais, você tem mais indigestão, sua visão não é boa, você precisa de ajuda para escutar. Envelhecer não traz, de fato, quaisquer vantagens. Não ficamos mais inteligentes nem mais generosos. Aceitem o meu conselho: evitem envelhecer".
Falar sobre velhice é sempre arriscado, é um assunto cheio de tabus. A verdade é que, se pudéssemos escolher, evitaríamos mesmo envelhecer: a saúde fica debilitada, a beleza se vai (porque já estão fora do padrão de beleza) e os velhos são marginalizados na nossa sociedade que, primando pelo trabalho (pela mão de obra, pelo dinheiro) desvaloriza àqueles que já não alimentam mais o sistema (mas se alimentam dele). Se antigamente (e isso ainda resiste, essencialmente em cidades pequenas) ao velho cabia o papel de interlocutor da tradição e da sabedoria de vida, nem isso lhe cabe mais. Ao mesmo tempo ser velho ficou ultrapassado, e as pessoas evitam ao máximo, prolongando a vida adulta com fórmulas milagrosas. Não dá para culpá-los, ninguém quer ser velho, porque todo mundo quer ser alguém e o velho é ninguém (estou aqui parafraseando Ecléa Bosi).
Mas ficar velho é realmente inevitável - para quem quer, e pode, continuar vivo - e por ser inevitável a velhice o assunto é evitável, porque dificilmente as pessoas querem olhar para um espelho, ainda que futuro, principalmente no cinema, num momento de lazer.
Por esses assuntos delicados e por outras questões (que eu já falei um pouco aqui) o cinema - que é o reflexo da nossa sociedade - também não quer falar de velhice e é raro ter um protagonista velho. Por todos os motivos listados acima, assistir a "E se vivêssemos todos juntos?" é um deleite. Além de todos os protagonistas serem velhos, de tratar os tabus da velhice, o filme mostra de uma maneira delicada, sincera e esperançosa o processo de envelhecimento, este é o enfoque do filme.
O filme mostra com uma sinceridade bonita e brutal temas e imagens que dificilmente vemos no cinema, os velhos ali lidam com uma dignidade incomum os problemas trazidos pelo envelhecimento. As imagens também são cristalinas, a câmera e os closes não evitam esconder as rugas e a aparência real, sem – ou com pouca – maquiagem (maquiagem aqui em vários sentidos).
Neste processo a proposta do filme é realmente tentadora: e se vivêssemos juntos? E se deixássemos de ser um problema e fôssemos a solução?
A história é sobre 5 amigos, quatro deles formam dois casais e o quinto, ...., foi amante das duas mulheres do grupo, há quarenta anos. Mas bem poderia ser na atualidade, porque "E se vivêssemos" fala, sem pudor e muitas vezes, sobre o sexo, sobre o desejo, sobre masturbação.
Claude (Claude Rich), o único solteiro do grupo, tem um ataque cardíaco quando está chegando ao quarto da garota de programa que visita - e fotografa - com certa frequência. Seu filho propõe ao pai que feche o apartamento no qual mora sozinho e passe a viver numa casa de repouso. Os amigos vão visitá-lo, mas diante da situação (que não é das piores, mas uma casa com velhos debilitados) resolvem levar embora o amigo e, assim, morarem juntos.
Outros amigos também estão doentes, como Albert (Pierre Richard) que está com problemas graves de memória e sua esposa, Jeanne (Jane Fonda, está linda como sempre) que está com câncer. Mas as doenças são meros coadjuvantes na história, elas fazem parte da vida, são lidadas com uma clareza e honestidade belíssimas.
Junto com esses acontecimentos tem Dirk (Daniel Bruhl de “Adeus, Lênin”, “Edukators” e “Bastardos Inglórios”) que é um estudante de etnologia e pretende fazer sua tese sobre o processo de envelhecimento dos aborígenes australianos, mas depois muda seu objeto (sujeito) de pesquisa para os europeus, e vai morar com os amigos a fim de fazer sua etnografia.
A cena de morte, também outro tabu, é tratada com humor e generosidade e a cena final é uma linda síntese de um filme que é todo coerente. Por aqui já estou cooptando meus amigos, "E se vivêssemos todos juntos?" é um filme, afinal, sobre esperança. 
E se vivêssemos todos juntos? (Et si on vivait tous ensemble?, França, 2012) *****

segunda-feira, 24 de junho de 2013

80° - "Millennium: Os homens que não amavam as mulheres"

O fim de semana passou e eu tive a agradável surpresa de que os canais HBO e MAX estavam liberados e combinavam perfeitamente com um domingo nublado. Então, ao final da noite eu resolvi rever "Millennium: Os homens que não amavam as mulheres" que eu tinha visto no cinema. Eu adoro a trilogia, li os livros e vi a trilogia sueca (país de origem do escritor Stieg Larsson e onde se desenrola a trama). Na maioria das situações eu levantaria a bandeira sueca, pois o filme além de ser americano, foi refilmado pouco tempo depois (cerca de 3 anos). Pra quê? Deveria ser feito? 
Entretanto eu tenho um carinho especial por essa versão americana, pois foi por ela que eu conheci a trilogia e me apaixonei. Lembro que saí do cinema encantada com a história, e lembro também que, ao longo das 2 horas e 40 min de filme, algumas pessoas foram deixando a sala, em especial na cena de estupro da Lisbeth; isto acontece porque apesar de "Millennium" ser americano, ele não nos poupa nas cenas de sexo e violência, sendo fiel ao livro. Na cena inicial já dá pra perceber que algo é diferente, numa mistura psicodélica dos personagens ao som de "Immigrant Song" do Led Zeppelin.
Mas vamos aos motivos pelos quais eu gosto tanto desta trama: Larsson é sueco e escreve a partir das suas perspectivas culturais, no filme é sutil, mas no livro é evidente: o autor montou uma trama na qual homens e mulheres têm o mesmo papel, são inteligentes, forte e têm poder. Aliás, acho que as mulheres são mais fortes do que os homens, apesar de Mikael Blomkvist (Daniel Craig) ser inteligente e sedutor (praticamente todas as mulheres da trama têm uma queda por ele), quase todos os outros homens ou são fracos ou são ruins. Às mulheres cabem os papéis protagonistas, de editora-chefe, de policial e investigadora (que resolvem as crises, mas nos outros livros) e, claro, de Lisbeth Salander. Ela é a protagonista, as histórias giram em torno dela (especialmente nos outros dois livros: "A menina que brincava com fogo" e "A rainha do castelo de ar"). Aliás, eu li uma reportagem com a mulher (companheira) de Larsson (ele morreu de ataque cardíaco em 201... com 50 anos) se colocando contra esse nome terrível que arrumaram para a obra, originalmente "A garota com a tatuagem de dragão" para "Os homens que não amavam as mulheres", percebam que neste nome aportuguesado a ênfase está nos homens e na atitude misógina. Mas isto é reduzir demais uma história que é sobre suspenses, sobre serial killers, mas está longe de ser só isto.
Lisbeth é uma heroína atípica, é franzina, esquisita, coberta por tatuagens e piercings, sem nenhum traquejo social e cheia de traumas psicológicos motivados por seu pai. Mas ela é extremamente inteligente e forte (fisicamente), é ela quem salva o mocinho no final do filme, não o contrário.

A sinopse é sobre uma mulher (Harriet Vanger) que sumiu há 36 anos, sobrinha do rico Henrik Vanger (Christopher Plummer), mas seu sumiço não pode ser esquecido pelo tio, já que em todo aniversário de Harriet, a cada ano, o tio recebe um quadro com um desenho como era hábito de sua sobrinha. Intrigado, mesmo após tantos anos, Henrik contrata o jornalista Mikael Blomkvist que com a ajuda de Lisbeth Salander solucionarão o caso. Mas gente, não vejam o filme baseado nesta sinopse que é quase um déjà-vú, o filme é muito mais que isso e essa diferença cultural nos permite uma experiência fílmica diferente, envolve questões de gênero, discussões sobre a mídia, sobre corrupção. Só não gosto do final – que aliás é fiel ao livro – pois acho que é desnecessário e contrário à personagem (Lisbeth) tão bem construída no filme, de qualquer maneira não tira o mérito da história.
Millennium: Os homens que não amavam as mulheres (The girl with the dragon tatoo, EUA, 2012) ****

sábado, 22 de junho de 2013

79º - "Tempos Modernos"

Charles Chaplin, um dos maiores cineastas da história do cinema, provavelmente estaria feliz se estivesse no Brasil por estes dias. Produtor, diretor e roteirista do filme “Tempos Modernos”, Chaplin encontraria aqui elementos capazes de lhe gerar um novo filme. As inúmeras manifestações que borbulharam – e ainda borbulham – em várias cidades em nosso país são dignas de críticas – positivas e negativas. As pessoas vão às ruas por motivos difusos e confusos, não elegeram um líder ou um protagonista para glorificar ou crucificar. Mas as diferentes pautas giram em torno de uma grande insatisfação com nossa condição política – e, principalmente, urbana – que gerou grande mobilização da sociedade (incentivada pela internet/tecnologia).
“Tempos Modernos” é o retrato de uma urbanidade cruel aliada a uma desigualdade social perversa. Chaplin relata com humor, ironia e certa melancolia a realidade de uma classe social que, vivendo na sociedade industrial, encara níveis de pobreza, desemprego, fome.
Para contar a história do pobre Carlitos e sua namorada, Chaplin lança mão de diversas metáforas enquanto linguagem cinematográfica.
A cena inicial do filme mostra um bando de ovelhas indo para o abate e segue sobreposta com uma multidão de pessoas saindo do metrô e indo ao trabalho. Entre eles a “ovelha negra” Carlitos inicia o filme como um operário, que enlouquece diante do trabalho repetitivo e exaustivo, por ser tratado como uma engrenagem da máquina social. A cena clássica do filme – e do cinema – é uma metáfora, onde Carlitos é engolido por uma máquina, assim como o trabalhador é engolido pelo sistema capitalista de produção.
As metáforas pontuam o filme, essencialmente quando Carlitos e a namorada sonham com uma vida classe média/média alta, seja sonhando em ter uma casa, seja na loja quando Carlitos trabalha como vigia noturno e a garota dorme “em berço de ouro”.
Entretanto, baseado em perspectivas pessoais, a metáfora que eu elejo é a do final do filme, depois de todo sofrimento imposto ao casal pelas instituições sociais (como a polícia, o Estado, o capital) há ainda em Chaplin, através do casal, uma visão otimista. Quando o casal, juntos e de mãos dadas caminham, a estrada voltada para o infinito é a metáfora da esperança, mesmo com toda tristeza infinitas possibilidades ainda se apresentam e nelas a felicidade ainda pode ser encontrada.

Tempos Modernos (Modern Times, EUA, 1936) *****

quarta-feira, 19 de junho de 2013

78º - "Frankenweenie"

Filmes com bichos fofos têm grandes chances de conquistar o público. Junte a este quesito o fato do cachorro ser carente, com ar de pidão, o único amigo do dono e ainda morrer duas vezes no filme.
Mas seria injusto reduzir "Frankenweenie" a esta questão, o filme é bem mais que isto. A história contada é sobre a família Frankenstein: um pai, uma mãe, um filho introvertido, que gosta muito de ciências e de cinema! e um cachorro, o Sparky. Acontece que o cachorro é atropelado, morre, mas Victor, o garoto Frankenstein, consegue revivê-lo.
Bem, qualquer um que tenha um mínimo de curiosidade vai saber que “Frankenweenie” foi baseado num curta que o diretor Tim Burton filmou na década de 1980 e que, anos depois e com a possibilidade de angariar mais recursos como o diretor que é, resolveu produzi-lo em "stop motion" (que era sua ideia na época, mas ficaria fora do orçamento). 
Os extras do DVD são incríveis, tem o curta original (e dá pra perceber o capricho de toda a equipe de produção, que se esmerou em fazer detalhes idênticos ao do curta), tem making off mostrando os bastidores da produção de um filme em "stop motion", a imensidão do projeto, da quantidade de pessoas envolvidas é realmente fascinante. Eu queria muito - muito mesmo - um boneco do filme, são lindos, lindos.
O filme é em preto e branco então até a paleta de cores - do branco ao preto - os detalhes produzidos para uma única cena (tudo em miniatura). Vale a pena, a gente enxerga o filme com outros olhos.
"Frankenweenie" segue uma linha bem próxima de "A noiva cadáver" em termos de estética das personagens (parece que o Tim Burton quem desenhou ou então supervisionou os desenhos). Aliás, Tim Burton tem sua marca registrada, ele é admiravelmente coerente em suas obras, desde os "Os fantasmas se divertem", "Edward mãos de tesoura", até os fantasiosos (e ainda mais fantasiosos em suas mãos) "A fantástica fábrica de chocolates" e "Alice no país das maravilhas". Tim é a "voz dos desajustados", consegue colocar nas telas dos maiores e mais famosos cinemas o que provavelmente ficaria como "filme B" do mainstream. Inclusive, ele e sua esposa (Helena Bonham Carter) são extremamente outsiders, estão à margem de toda padronização do tapete vermelho e do luxo hollywoodiano. Mas eles estão lá, são praticamente extensões de seus personagens desajustados, maravilhosamente estranhos, corajosamente esquisitos.
Além, "Frankenweenie" é uma grande homenagem ao cinema (já era também no curta), a primeira cena é de Victor produzindo um filme com a ajuda de Sparky, mas as referências a outros filmes durante o filme acontecem em vários momentos: como já é óbvio ao "Frankentein", mas também aos "Gremlins", “Godzilla”, "Parque dos Dinossauros", "Pássaros" e até "Bambi" (que aparece ao fundo como filme em cartaz no cinema local).
Isso é apenas mais um motivo para gostar de "Frankenweenie", afinal, tem como não amar um filme sobre um cãozinho remendado?

Frankenweenie (EUA, 2012) ****

terça-feira, 18 de junho de 2013

R.I.P. "365 filmes em 2013"

Hoje fazemos aniversário, há três meses não publico uma postagenzinha sequer. Sei que algumas vezes eu mesma previ esta possibilidade e ela se concretizou. Três meses atrás minha vida estava um caos, trabalhando adoidado (ao invés de curtindo a vida), estudando muito, e escrevendo (e vendo filmes) diariamente aqui. Além disso, sim, eu tinha minha vida particular pra dar conta. Ainda assim eu estava otimista (como sou) que tudo daria certo e eu conseguiria colocar mais horas no meu dia e realizar todas as minhas tarefas. Então, a cereja do bolo: eu troquei de orientador no doutorado, e o novo começou nossa relação de orientação me desorientando: deixou claro que, se eu não me dedicasse verdadeiramente, eu não conseguiria produzir a tese. Falou sobre isso e falou muito, repetidas vezes, repetidos dias. Eu sou uma pessoa otimista - como deixei claro linhas atrás - mas também sou uma pessoa descontrolada, apavorada e neurótica. Passei dias ansiosos, sabia que deveria deixar o blog, mas estava sem coragem, porque quando o "365 filmes em 2013" estava engrenando, ganhando seguidores, amigos que me procuravam, indicavam filmes, eu teria que deixá-lo. E foi difícil, foi assim, um dia eu não postei mais, não consegui assisti a algum filme, nem no dia seguinte, nem no outro. Fiquei um mês (ou mais) sem acessar ao blog, fiquei triste em deixar meu projeto...
Mas eu sempre soube que, apesar de incompleto, o "365 filmes" havia me dado um presente valioso: foi por conta deste projeto, e dos filmes que eu via rotineiramente que eu desenvolvi o tema da minha tese. E então eu consegui aliar dois grandes prazeres na minha vida: a antropologia e o cinema. Como pouca coisa na vida acontece por acaso estava aí o objetivo do blog na minha vida: me abriu novos horizontes, novos aprendizados, novos olhares que me permitiram pensar sobre os filmes de uma outra maneira.
Neste ínterim, é claro, eu assisti a vários filmes, no cinema, em casa. Também ampliei minha coleção de DVDs (que continuo emprestando a amigos) e claro, continuo com a mania obsessiva (e chata, eu sei) de sempre exemplificar conversas com filmes. Sei que parece blasé, mas não é, não pra mim. Pra ajudar eu agora estudo cinema, tenho lido livros, tenho as minhas orientações com meu professor que é do cinema. Isto abre um horizonte incrível, estou feliz.
Aliado a isso eu consegui, além de um tema novo para a tese, uma licença do meu trabalho para estudar, concluir meu doutorado. Então, tem umas duas semanas, estou integralmente me dedicando ao doutorado. Faço minhas aulas, estudo, tenho as orientações, estudo, escrevo, estudo... Mas então me veio a vontade de continuar escrevendo aqui. Eu não poderia continuar com o "365 filmes", já não faria sentido, então mudei o nome do blog, mas os objetivos continuam os mesmos: pretendo escrever sobre os filmes que gosto por três grandes motivos: porque eu gosto de filmes, porque minha memória é péssima (e assim eu tenho um arquivo) e porque escrever é hábito e deve ser praticado com assiduidade.
Sendo assim, a partir de hoje, eu escreverei aqui, no "Lente Subjetiva", para mostrar o meu ponto de vista dos filmes, as minhas percepções, as minhas lentes. Já adianto que não pretendo inserir posts diários, mas pretendo publicar aqui ao menos três posts semanais. Que assim seja!

segunda-feira, 18 de março de 2013

77° - "Um corpo que cai"


Definitivamente "Vertigo - um corpo que cai" é o melhor filme de Hitchcock. Tudo bem que eu ainda não conferi toda sua filmografia, mas é um filme com tantos elementos encantadores que fica difícil de bater. Pelo visto isso não é novidade - era pra mim - já que foi eleito ano passado o melhor filme de todos os tempos, numa eleição promovida por uma revista inglesa e que envolveu mais de 800 especialistas (o eterno "Cidadão Kane" perdeu o posto, está em segundo lugar).
É difícil falar de "Vertigo" sem oferecer spoiler. Tudo bem que, assim, eu não tenho muito cuidado mesmo na hora de escrever sobre os filmes, já que o blog é terapêutico para mim, como um diário, e também porque niguém pouca gente me lê.
E "Vertigo" apresenta tantas nuances que nem sei se vou dar conta de apresentar todas aqui, é um filme que a gente vê e quer rever em seguida (eu fiz isso) para tentar apreendê-lo melhor. O filme já começa apresentando Scottie (James Stewart, que também fez "Festim diabólico" e "A felicidade não secompra") um detetive da polícia em perseguição a um bandido em telhados, ele escorrega, quase cai, e um policial acaba caindo e morrendo quando tenta salvá-lo. Scottie desenvolve então acrofobia (medo de altura) e por isso se aposenta da polícia (a imagem da vertigem dele é muito bem feita). 
Um amigo de faculdade de Scottie o contrata para investigar sua esposa Madeleine Elster (Kim Novak), já que suspeita que ela está sofrendo uma espécie de transe por conta de um antepassado. Scottie a segue e descobre seus estranhos hábitos, na floricultura, no cemitério, no museu, tudo leva à figura de Charlotta, que depois Scottie descobre ser a bisavó de Madeleine que por infortúnios da vida se matou com 26 anos, e supostamente a mulher está sob sua influência tanto em sonhos quanto acordada, quando entra em transe e adotada esquisitos comportamentos, do qual não se lembra depois.
Com medo da esposa se matar como fez a bisavó, o amigo pede a Scottie que vigie sua mulher e ele o faz, inclusive a salvando quando se joga na Baia (numa cena linda esteticamente). Depois que a salva os dois começam a se envolver e se apaixonam.
Mas a paranoia de Madeleine não impede que ela suba na torre de uma igreja e se jogue lá de cima - Scottie não consegue salvá-la, pois por conta de sua acrofobia não consegue chegar ao topo da torre. Ele fica arrasado e vai parar numa clínica por conta de uma depressão profunda.
Depois, quando sai, procura frequentar os locais onde frequentava Madeleine, a vendo no rosto de várias mulheres, até que encontra uma, que apesar de ter hábitos diferentes, é muito parecida. Ele se aproxima dela, e só depois descobrimos que Judy é, na verdade, a própria Madeleine (ou a representação dela), que o marido contratou para fingir ser sua esposa e assim matar a verdadeira esposa (a que realmente caiu da torre da igreja) sem suspeitas, já que Scottie testemunhou o suposto suicídio (ele foi contratado por conta da sua doença e por ter certeza que ele não chegaria ao topo, muito alto).
A trama é muito bem amarrada (bem diferente de Pássaros), os personagens são complexos e o jogo psicológico de Hitchcock está lá, como sempre, com magnitude.
O filme é recheado de suspenses, de cenas psicodélicas que objetivam confundir aos espectadores: o que é realidade? o que realmente está acontecendo? e assim mostra a fragilidade da nossa mente e também nossas limitações, principalmente psicológicas.
Pra mim, já que também tenho medo de altura, o filme é de dar nervoso, principalmente nas cenas de vertigem do personagem, que são muito bem feitas (eu passei parte do filme com as mãos suando de nervoso).
Pela construção dos personagens, pela história tão bem construída e contada e pelas cenas que conseguem nos mostrar tão bem o ponto de vista do protagonista, por isto tudo, "Um corpo que cai" é imperdível.
Um corpo que cai (Vertigo, EUA, 1958) *****

sábado, 16 de março de 2013

75° - "As vinhas da ira"


"Eu nunca mais terei medo. Eu tive, porém. Cheguei a pensar que estávamos perdidos. Parecia que só tínhamos inimigos nesse mundo. Como se ninguém fosse amistoso. Eu me senti mal e assustada. Como se estivéssemos perdidos e ninguém ligasse... Os ricos nascem, morrem, e seus filhos também não prestam e desaparecem. Mas nós continuamos. Somos nós que vivemos. Eles não podem acabar conosco. Não podem nos vencer. Nós viveremos para sempre, porque nós somos o povo".
(Mãe)
"As vinhas da ira" é todo de cortar o coração, é um filme duro, cru, que mostra de maneira sincera uma triste realidade: a situação dos pobres na época da depressão de 29 nos EUA. Não se engane, não espere um filme de esperança, apesar de não ter um final ruim, os problemas também não se resolvem. O filme foi baseado no livro de John Steinbeck, que fez um amplo trabalho de campo e pesquisa para sua escrita, acompanhou de fato uma família que foi despejada de sua casa e partiu para Califórnia em busca de melhores condições, mas diferente do filme, que tem uma trajetória ascendente (apesar de não ter um final feliz hollywoodiano), li que o livro é ainda mais desesperançoso.
O filme se inicia com Tom Joad (Henry Fonda) voltando para casa após cumprir quatro anos de prisão por ter matado um homem numa briga. Quando chega em casa, em Oklahoma, a situação de sua família é caótica: todos eles, incluindo vizinhos, foi despejados de suas terras por conta de grandes empresas agricultoras, e agora todos decidiram migrar para Califórnia, na esperança de encontrar trabalho e condições melhores. Assim eles partem em viagem, num caminhão com todas as coisas e toda a família (irmãos, avós, pais, tio, cunhado). Neste momento no qual se transforma em filme de estrada eles vão redescobrindo a realidade a partir tanto da estrada, quanto das paradas; eles encontram situações muito difíceis e percebem a realidade do país, são vários "caminhões casas", pessoas carregando sua vida, porque já não tem onde morar e se submetendo a qualquer condição de trabalho para não morrer de fome, é terrível. 
A família chega na Califórnia e percebe que o sonho de melhores condições de vida foi em vão, e eles têm que morar num acampamento com outra milhares de famílias que são humilhadas pelo poder público e passam fome. O trajeto continua até encontrarem um acampamento do governo onde encontram melhores condições para morar e viver.
A situação mostrada, de extrema desigualdade social, talvez nem seja tão chocante para nós brasileiros (apesar de minimizada nos últimos anos); a situação da família Joad poderia ser transportada para o Brasil, para as famílias pobres do nordeste brasileiro frente a grande riqueza de empresários do sul.
Mas se há esperança em “Vinhas da ira” ela está ao final, no lindo discurso de Tom Joad:
"Um homem não tem sua própria alma, apenas um pedaço de uma alma grande. Uma alma grande que pertence a todos. Então não importará. Eu estarei nos cantos escuros, Estarei em todo lugar. Onde quer que olhe. Onde houver uma luta para que os famintos possam comer, eu estarei lá. Onde houver um policial surrando um sujeito, eu estarei lá. Estarei onde os homens gritam quando estão enlouquecidos. Estarei onde as crianças riem quando estão com fome e sabem que o jantar está pronto. E, quando as pessoas estiverem comendo o que plantaram e vivendo nas casas que construíram, eu também estarei lá."
As vinhas da ira (The grapes of wrath, EUA, 1940) ****